Imagem ilustrativa da imagem Florestan, o mestre
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Florestan Fernandes nasceu em 22 de julho de 1920. Chegamos, portanto, ao seu centenário de nascimento. Em tempos extremos de velocidade, impermanência e narcisismo, é até comovente assistir às homenagens àquele que foi o mais importante sociólogo brasileiro.

Filho de uma imigrante portuguesa que se tornou empregada doméstica, Florestan foi menino pobre e trabalhou, desde bem cedo, como engraxate, aprendiz de alfaiate e garçom. Atento e corajoso, enfrentou seu destino: fez curso de madureza e ingressou na recém-criada Universidade de São Paulo, em 1941.

Logo após a conclusão do curso de Ciências Sociais, foi contratado como professor assistente. Quando os acadêmicos europeus chamados a formar as primeiras gerações de profissionais da USP retornaram aos seus países, Florestan Fernandes assumiu um lugar de destaque no pensamento social brasileiro – um lugar que ele ocupa até hoje com vigor e reconhecimento público.

O trabalho de Florestan, que escreveu mais de 50 livros, é surpreendente. Auxiliou numa grande guinada de leituras do Brasil, fortalecendo o protagonismo de indígenas, negros, imigrantes e trabalhadores na formação sociocultural do país. Para que seus esforços pudessem se prolongar no tempo, insistiu na defesa da Sociologia como um campo científico rigoroso, dotado de materiais para pesquisa e interpretações robustas, envolventes, explicativas da realidade.

Dos estudos sobre a cultura tupinambá até a compreensão do papel subalterno do negro na sociedade brasileira, passando por rica análise dos anacronismos da burguesia nacional e da permanência de privilégios estamentais e desigualdades incompatíveis com a vida democrática, a obra de Florestan é fecunda e inspira até hoje várias gerações de cientistas sociais. Refinado e potente, o pensamento do autor de “A Revolução Burguesa no Brasil” esmiúça os sentidos e contradições da brasilidade, estimulando em seus leitores indignação e esperança.

Aposentado compulsoriamente pelo AI-5 e impedido de trabalhar na USP, Florestan exilou-se no Canadá, onde prosseguiu como professor. De volta ao Brasil, na década de 1970, foi trabalhar na PUC-SP, graças à mediação de Dom Paulo Evaristo Arns. Na década seguinte, elegeu-se deputado federal constituinte pelo Partido dos Trabalhadores e emplacou 34 de suas 96 propostas na Carta Magna de 1988. Coerente e incansável, defendeu a escola universal, a universidade livre e investimentos públicos em educação e pesquisa científica. O Brasil que Florestan sonhou é aquele que hoje tanta falta nos faz.

Se a causa indígena era o “chão histórico que pisamos”, fabricado pela violência e pelo desprezo igualmente dedicados à maioria da população brasileira, a questão educacional poderia ser um ponto de redenção. Ao lado de nomes como Anísio Teixeira, Darcy Riberio e Paulo Freire, o sociólogo Florestam Fernandes foi um artífice da educação crítica e reflexiva, humanista e radical, capaz de descolonizar mentes e abrir portas para o futuro.

Florestan Fernandes morreu em 1995, aos 75 anos, após um transplante de fígado desastroso. Seu primeiro século apenas evidencia que, se a realidade resistir, as gerações do amanhã terão ânimo para aplaudi-lo de pé daqui a dois, três, muitos séculos.