É raro o dia em que não recordo os tempos de adolescência. Não acredito que se trate de saudosismo. A referência ao passado é um recurso para entender quem sou hoje e quem ainda posso ser. Naquilo que fomos está a chave para compreender se há chances de nossos sonhos se tornarem realidade.

Por volta dos 15 anos eu queria ser Eddie Van Halen. Em parte, sem dúvida, porque meu irmão, mais velho do que eu, também queria. Vê-lo tocar guitarra todo dia, disciplinado, “tirando” riffs e solos do Van Halen, me fez querer ser guitarrista e “montar” uma banda de rock.

A coisa acabou dando certo. Marcelo, Uirá, Ronaldo e eu éramos uma boa banda, um misto de Sex Pistols, Van Halen e Belchior, nada mais tropicalista, no início da década de 1990, na Vila Madalena, na capital paulista. Dias atrás, numa conversa via celular, Marcelo, que cantava nossos sonhos de rock and roll, disse que, se não fôssemos tão imaturos, a banda teria emplacado. Concordei e completei: fomos o que tínhamos de ser.

.
. | Foto: Ethan Miller/ Getty Images/ AFP

Tocar guitarra exige empenho na revelação sensível do que há de mais humano em nós. Compor canções, escrever letras de música, reunir um grupo de pessoas diversas para executar um consenso em forma de melodia musical, tudo isso é sublime, destaca o compromisso com o bem comum e um irredutível apreço pela vida democrática.

Todos da banda devemos o que somos àquelas escolhas juvenis. Não toco mais guitarra, mas penso que componho melodias com a palavra escrita, com as narrativas que levo para a sala de aula, com a dedicação com que realizo minhas pesquisas acadêmicas. Por isso, de maneira singular, continuo querendo ser Van Halen.

Quando soube da morte de Eddie, em 06 de outubro, aos 65 anos de idade, mergulhei numa tristeza profunda. Chorei compulsivamente. Imagens do passado e do presente se misturaram, formando um tempo sem perspectivas, uma sensação de abandono quase indescritível. Passei tantos anos ouvindo os discos do Van Halen, tentando reproduzir aqueles solos fantásticos de guitarra, que tive a certeza de perder meu melhor amigo, um sujeito que havia passado os últimos 30 anos ao meu lado.

Superado o choque (a dor da perda não cessa e permanece como memória), fui ao violão dedilhar “Summer Nights”, minha música favorita do Van Halen. E passei os dias seguintes ouvindo os álbuns da banda. Pude constatar, mais uma vez, a enorme influência que canções como “Why Can’t This Be Love”, “Dancing The Night Away”, “Top Of The World” e “Panamá”, entre inúmeras outras, tiveram na elaboração de minha visão de mundo. A trilha sonora da minha vida tem, no mínimo, todas as músicas do Van Halen.

A época atual é bem carente de gênios. Parece que se esgotaram as possibilidades de ir além do óbvio, descobrir o inconcebível ou realizar o impossível. Eddie Van Halen fez tudo isto: revolucionou um instrumento, aperfeiçoou notas e timbres, criou um estilo dentro do rock que inspirou várias gerações a transformar a realidade através da boa música, da alegria e, principalmente, da generosidade.

Eu sempre irei sonhar ser Eddie Van Halen.