Se somos de fato animais políticos, como se diz desde a Antiguidade Clássica, devemos aceitar que não podemos abrir mão dessa dimensão da existência. A política está em tudo, reforça o apelo para que aprendamos a viver juntos e desmistifica a velha crença segundo a qual, diante de certas questões, não há nada que possa ser feito.

A negação da política, contudo, se dá de diversas maneiras. Ao refutarmos a condição humana da ação, deixamos de lado o diálogo e contribuímos para esse terrível clima de animosidade que vem cobrindo o Brasil há vários anos. A sensação é a de que estão suspensas as predisposições para um momento de aprendizado mútuo ou para uma real abertura a descobertas que possam ressignificar nossas vidas. É como se todos estivéssemos alheios aos clamores da mudança e do aperfeiçoamento.

Imagem ilustrativa da imagem É a política, gente, em todas as dimensões da vida
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No instante em que decidimos passar um tempo com nossos filhos, em vez de abandoná-los à má sorte das redes sociais por dias a fio, tomamos uma decisão política. Se optamos por ver um filme, a escolha do título também é uma decisão política. Tudo

isso irá influenciar no sujeito que eles serão, e é por isso que constitui questão política por excelência. Num mundo no qual o imediatismo é a regra e as urgências, o grande tom, deixamos de lado os temas de longo prazo, legando-os a determinações de segunda importância. Por não entendermos a riqueza política de nossas opções, esfriamos a fervente equação política do dia a dia.

Domingo passado (31) o país escolheu Lula seu novo presidente. Foi uma eleição dolorosa, que rachou o território nacional em duas metades aparentemente inconciliáveis. Desde 2013, para pensarmos num marco zero para a crise que ora nos acomete de forma tão bruta, tem sido difícil a convivência entre diferentes. Famílias, escolas, igrejas, ambientes de trabalho, bairros, associações, tudo se repartiu, se coloriu de modos distintos, obstruindo a palavra, fortalecendo grupelhos, inviabilizando o entendimento em face de argumentos, experimentações, evidências. Mesmo diante de incontestáveis verdades, cada sujeito tem preferido a própria sombra como refúgio, onde se sente ilusoriamente acolhido.

Se Albert Camus estava certo (e eu acho que estava), os sujeitos oscilam entre o sim e o não, entre a aceitação e a rejeição de sua condição humana. Como, para o autor de “O mito de Sísifo”, a existência é um absurdo, na qual não há acabamento prévio nem

sentido de antemão, é imperioso que nos entreguemos à realidade sem apelos, ou seja, sem ideias pré-concebidas, conceitos enrijecidos, resultados adquiridos antes dos fatos vividos. O futuro, assim, dependerá da coragem e da razão, únicos ingredientes a dar garantias de que é possível erguer uma realidade menos caótica, muito menos violenta e mais justa.

É desejado que alguma iluminação nos conceda esperança. Que os extremismos sejam desvalorizados e completamente desincentivados. Que haja bom senso e serenidade na construção de novos espaços públicos, nos quais possam florescer a graça do discurso e a beleza gestual de abraços bem plurais. Isso é a política.