Desde criança leio jornais em casa. Meu avô materno e, depois, meus pais assinavam os jornalões da capital paulista, onde nasci e cresci. Os suplementos infantis fizeram minha cabeça com quadrinhos, passatempos e dicas de como organizar a bagunça do quarto e da mochila escolar. Preciso admitir que, num país de absurdos contrastes, a leitura precoce foi, ao mesmo tempo, um privilégio e um divisor de águas na minha vida.

Caminhando para a existência adulta, naquele súbito intervalo da adolescência, interessavam-me os cadernos de cultura e os suplementos literários. Lembro-me com emoção indisfarçável dos textos de João Ubaldo Ribeiro, Caio Fernando Abreu e Moacyr Scliar. Ainda hoje me vejo eufórico ao visitar, semanalmente, as colunas de Luis Fernando Veríssimo e José Eduardo Agualusa. Graças a todos esses gênios da palavra escrita, aprendi a amar os livros e a me dedicar ao mundo das ideias, apaixonadamente.

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. | Foto: iStock

Há também as descobertas tardias, mas nem por isso menos impactantes. Colunas, crônicas e ensaios de Leandro Konder, presentes nos jornais cariocas desde a década de 1980, deslocaram o sentido de minha profissão de sociólogo e me renovaram ideologicamente. Além do estilo único e da enorme reflexividade, os textos de Konder carregavam empatia, beleza e um profundo respeito pelos leitores. A ele, um grafomaníaco incorrigível, devo minha predileção pela Sociologia da Cultura. Mais do que isso: devo minha carreira acadêmica e minha entrada no debate público. Leandro Konder, que nos deixou em 2014, é meu maior e melhor exemplo humano e intelectual.

Agualusa, o escritor angolano que tenho em altíssima conta, costuma dizer que a poesia é uma forma de domesticar o espanto. A cultura é poesia na carne e no espírito. Em filmes, livros, discos e encenações teatrais – e também em pinturas, esculturas e artesanias mil –, a poética cultural auxilia na exploração das linguagens, no entendimento do outro e no estímulo à imaginação política. Nestes tempos de tantos acenos à barbárie, a cultura e suas diversas poesias têm o poder de inspirar alternativas para a luta do lado certo da história. Numa palavra, a cultura é cosmopercepção: um jeito de ver, ouvir, cheirar, tocar e degustar a vida para muito além do opaco trivial despossuído da realidade luminosa das ideias.

Acredito na cultura como origem. É a partir da diversidade cultural que se pode chegar à política, à economia e às formas de organização social. Não se trata, portanto, de um código de acessórios – a cultura é, em essência, a base de uma existência tanto estética quanto ética, expressando-se de infinitas cores, prazeres e estilos.

É com alegria, portanto, que me vejo aqui na Folha 2. É como se eu voltasse no tempo e pudesse reescrever os melhores capítulos da minha história, dispondo de alguma maturidade e de um arsenal poético para pensar e sentir o mundo, na grande expectativa de que seja uma aventura plural e amplamente socializante.