Dias atrás, relendo um artigo de Mario Vargas Llosa, recordei que o conhecimento é uma grande aventura na história. Ninguém nasce sabendo. Aprendemos de acordo com as andanças do tempo e as circunstâncias que nos cercam. Assim como não era possível ao homem da Antiguidade demonstrar saberes sobre algoritmos de internet, não é recomendado aos contemporâneos ignorá-los. Ao habitar o mundo, tornamo-nos responsáveis por ele, por nós, por todos.

Conhecer é um verbo que só se conjuga em liberdade. Em todos os lugares em que a liberdade é impedida, o conhecimento é restrito e se torna um instrumento de poder e opressão. O que dizer, então, de sociedades livres em que indivíduos, deliberadamente, recusam as evidências científicas e preferem o atoleiro do negacionismo? Recusar o óbvio e optar pelos abismos da paranoia é abrir mão da liberdade.

Imagem ilustrativa da imagem Conhecer para ser livre

No filme “Ventos de liberdade” (“Baloon”, na produção original de 2018), duas famílias, na velha Alemanha Oriental, planejam transpor o Muro de Berlin dentro de um enorme balão. Além de recuperar a estética da época, o diretor Michael Herbig reproduz o clima da Guerra Fria, das disputas ideológicas que cindiram o mundo. No final, dizem as circunstâncias, a liberdade só será possível do lado de lá, longe de olhares opressores, onde se possa sonhar ser diferente e igual ao mesmo tempo. O filme é baseado numa história real, em que o desejo de liberdade não conheceu fronteiras.

“Ventos de Liberdade” me pôs diante das interessantes aproximações entre liberdade e autonomia, que o saudoso José Guilherme Merquior teoriza no início de seu obrigatório “Liberalismo, antigo e moderno”, de 1991. Segundo Merquior, o tempo histórico assistiu ao desenvolvimento de quatro tipos básicos de liberdade, cada um deles relacionado com uma etapa no desenvolvimento da autonomia dos seres humanos.

A primeira, imemorial, se dá na luta contra a opressão. Nunca houve povo ou indivíduo que não lutasse contra as correntes que aprisionam corpo e mente. Trata-se da busca da liberdade como intitulamento, ou seja, como direito a ter um lugar no mundo, uma função reconhecida pelo grupo. Tornar-se alguém e estar livre da discriminação, isso é o mínimo para que haja indivíduos verdadeiramente autônomos.

A liberdade política, um tema associado à cultura grega, vem logo em seguida. A autonomia requer o direito de participar nos assuntos da comunidade a que se pertence. Na sequência, surgem a liberdade de consciência e religião – nascida dos berços da Reforma e indispensável à autonomia das ideias e crenças – e a liberdade para a realização pessoal –uma modalidade moderna da autonomia, ligada à possibilidade de viver como se queira, onde se pretenda, do modo como pareça mais interessante.

Liberdade é uma provocação à inteligência. Para ser verdadeiramente livre, é preciso ser autônomo e, ao mesmo tempo, reconhecer as conquistas civilizatórias. Não há autonomia para não tomar vacina ou alegar fraude onde ela nunca existiu. Defender isso é abdicar da condição de ser livre.