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. | Foto: Divulgação

O pensador francês Edgar Morin completou, no último dia 8 de julho, 100 anos de idade. Lúcido e ativo, permanece refletindo sobre o mundo em que vivemos. É dele a consagrada experiência de abordar um “pensamento complexo”, fugindo à tentação dos esquematismos e simplificações. Em vez de quadros, tabelas ou indicadores de sucesso, o pensamento de Morin se orienta por cruzamentos e interdisciplinaridades. Uns o consideram filósofo, outros, sociólogo – o fato é que ele é bem mais do que isso.

Morin é crítico das racionalizações disjuntivas, que fragmentam a realidade no intuito de dominá-la. A realidade, contudo, não se deixa capturar tão facilmente. Como pensador planetário, Morin desconfia de totalizações excessivamente abrangentes, que se dizem capazes de explicar tudo com poucas palavras. O mundo tal qual se revela aos humanos comporta erros e tentativas, não podendo ser ilustrado em sua inteireza. É na complexidade, naquilo que “se tece junto” (de acordo com sua origem etimológica), que está o desafio do conhecimento, não na busca ingênua por respostas finais.

É na literatura e no cinema que Morin busca elementos para sua compreensão de mundo. A ciência e sua sede por objetividade costumam esquecer as emoções subjetivas, considerando-as desprezíveis para o saber. Para Morin, a realidade é, ao mesmo tempo, 100% objetiva e 100% subjetiva. Através do “objetivo” ansiamos explicar o que vemos; por meio do “subjetivo” compartilhamos o que sabemos e amamos aqueles que encontramos pelo caminho.

Superar a noção de desenvolvimento, que estabelece uma ideia incontestável de progresso, é a chave para alcançar uma política civilizatória, que comporte a diversidade e aproxime os diferentes povos da Terra. Para isso, Morin propõe que abandonemos as frações com as quais somos identificados. No lugar de “homo sapiens” (razão), “homo faber” (técnica) ou “homo economicus” (bens materiais), devemos ser reconhecidos como “sapiens/demens” (sábios e loucos), “faber/ludens” (trabalhadores e lúdicos), “empiricus/imaginarius” (concretos e abstratos) e “prosaicus/poeticus (simples e etéreos). É no tecer junto de aparentes contradições, portanto, que se compreende o humano em toda a sua vasta complexidade.

Um mundo melhor, para Morin, é signatário de uma experiência de vida que se importe menos com as técnicas e os instrumentos e (muito) mais com a condição humana, com aquilo que nos define na convivência, na troca de impressões, opiniões, cosmovisões. Por isso a importância da informação livre, da ciência valorizada, da política democrática. Sem os emblemas da liberdade postos para funcionar na prática, não há futuro possível.

Numa época que aposta em Inteligência Artificial, é oportuno ler Morin e felicitá-lo por seu centenário. Para ele, a esperança está na metamorfose, na capacidade de nós, humanos, alterarmos profundamente nossos modos de vida para evitar a vitória de uma barbárie já em curso.