.
. | Foto: iStock

O futebol virou coisa do mundo de hoje, ou seja, de arte passou a negócio, de espetáculo converteu-se em refém dos olhares de apostadores triunfalistas, que só querem ganhar e em nada se interessam pela beleza, pela superação, pela transcendência. Mais do que o jogo e os torcedores, a crônica do futebol virou uma coisa do mundo atual, isto é, ficou chata, matemática, sem sal nem açúcar.

Tenho saudade das crônicas do velho Nelson.

Nelson escrevia histórias intensas após uma partida de futebol. O resultado da partida se tornava irrelevante diante da descrição mágica que ele fazia de um gol, um drible, uma costumeira cobrança de escanteio. Para a crônica do Nelson, o futebol era um ato humano pleno – e como tal merecia cenário grandioso, personagens exuberantes, foco nos detalhes. Bem ao contrário de hoje, um tempo de resultados frios e descrições secas, o futebol da crônica antiga era vivo: no ato de ler o Nelson na segunda-feira, o jogo do fim de semana era disputado novamente na cabeça do leitor-torcedor.

Tenho saudade do tempo em que a crônica esportiva punha em campo as peripécias de “Sobrenatural de Almeida” e narrava a saga semanal dos ídolos “à sombra das chuteiras imortais”.

Nas crônicas futebolísticas do Nelson, o futebol era um evento da cidade. Relendo a letra vibrante do profeta tricolor, é possível sentir o clima das ruas do Rio num domingo de Fla-Flu. A cidade amanhece deslumbrante, com o céu azul, o mar em calmaria, o sol a iluminar o bate-papo nas esquinas, nos bares e restaurantes, nas bancas de jornal. O que se fala do futebol hoje é como uma vinheta de rádio ou TV: anunciam-se os resultados, veiculam-se os gols da rodada. Nenhuma poesia. Nenhuma crônica como as do Nelson.

Havia romance no futebol do tempo das crônicas do Nelson. Por isso, havia paixão nos escritos que ele fabricava após os jogos. Agora, o futebol é uma máquina de franquias econômicas. Por isso, não há versos sedutores nas crônicas, nem nas de futebol, nem nas de assunto algum.