Tenho ouvido que 2022 foi um ano formidável. A redução da força mais agressiva da pandemia, a vitória eleitoral de Lula e a queda de nosso futebol anacrônico, que precisa se renovar e alçar novos voos, tudo isso configurou um ano dos melhores. Apesar de concordar com essas, digamos, “conquistas”, divirjo quanto à beleza de 2022. O início deste 2023 ainda é folhagem seca do ano passado que não terminou.

Como de praxe, tiro janeiro para descansar. Combino minhas férias com as de meu filho. A ideia é aproveitar um tempo juntos, rir à beça, compartilhar o que se passa em nossas cabeças e corações. Mesmo em recesso, permaneço lendo e escrevendo. Isso faz parte de mim, como o ar que respiro. Foi durante esse “descanso atento” que assisti a uma série de acontecimentos de fazer inveja a qualquer tempo histórico.

Para começo de conversa, vi o povo brasileiro subir a rampa do Planalto. O país, enfim, voltara a abraçar a democracia e a vida republicana. Dias depois, como se 2022 estivesse morrendo de inveja, uma legião invadiu Brasília e destruiu as sedes dos três poderes. Aos gritos horrorosos de “Deus, Pátria e Família”, os "patriotas" ameaçaram um golpe de estado e enlamearam a esperança que fazia bem pouco estava de volta. O lado mais nefasto do bolsonarismo mostrou-se sonâmbulo, pronto a atentar contra uma grande nação que necessita renascer. Felizmente, a manobra foi contida. E só estaremos de fato em 2023 quando todos os responsáveis forem exemplarmente punidos e execrados.

Perplexo, assisti à chegada do ChatGPT, uma ferramenta virtual que promete redigir qualquer coisa, responder a todas as questões e substituir a falta de eficiência humana na hora de escrever textos eficientes. Olhei a coisa de soslaio. Duvido de milagres quando o assunto é escrever. Acredito somente em meditação, muito suor e dias intermináveis em torno de letras, frases, sentenças infinitas. Ainda assim, a invenção impressiona. Sua redação é melhor do que a de 99 por cento das pessoas. É irônica, às vezes, mas não possui o essencial: sensibilidade. É por isso que a rapaziada que escreve com a boa síntese entre razão e emoção pode ficar tranquila. A Inteligência Artificial só irá superar a Burrice Natural, como me esclareceu uma amiga.

Coroando o desterro do insepulto 2022, colidimos com a tragédia dos Yanomami. A dor por que passam nossos irmãos indígenas é resultado de anos de omissão e crueldade, um retrato em cores do último governo e de tudo que ele representa ideologicamente. A chegada entristecida dos Yanomami aos noticiários coincidiu com a leitura que venho fazendo sobre o lugar dos sonhos em sua cultura: nós sonhamos individualmente; eles, coletivamente. Nossos sonhos não têm importância. Os deles redefinem tudo.

É bem provável, se soubermos aprender com os Yanomami, que deixemos 2022 e recebamos 2023 quando aprendermos a sonhar juntos, em prol de todos. Sem isso, daremos eterna continuidade aos piores anos de nossa história.