O presente vive a flertar com o passado. Olha-se para trás em busca de saídas, heróis, fatos que elevem a autoestima. Vira e mexe, o passado colide com a consciência, revelando que nem sempre foi belo e bom. Nas últimas semanas, por causa de momentos específicos na vida da imprensa brasileira, voltou-se a discutir o horror do nazismo e a ponderar sobre os limites da liberdade de expressão.

Os episódios que trouxeram as reflexões à tona são minúsculos, mas acendem os sinais de alerta. Até que ponto se pode dizer o que bem entender? Há responsabilização inclusa na ideia de uma liberdade de expressão ilimitada? E quando as palavras são do tipo que impedem ou desejam impedir outras palavras, o que fazer?

O nazismo é uma ideologia que prega a superioridade racial e a aniquilação de seus inimigos, que são muitos. Na prática, abomina a democracia e combate as liberdades individuais. Entre suas ações corriqueiras estão a perseguição, a censura e o enclausuramento. É possível que se admita sua defesa nas sociedades modernas? Me parece que não.

O filósofo austríaco Karl Popper cunhou a expressão “paradoxo da tolerância” para se referir ao caráter limitado de toda ação de aceitação. Se a tolerância for irrestrita, os tolerantes correm o risco de serem subjugados. Numa democracia, quando se toleram manifestações antidemocráticas, é a própria sobrevivência da democracia que se põe em xeque. Assim, não se pode tolerar o intolerante. Aceitá-lo com suas diatribes é colocar sob fogo cruzado a própria ideia de liberdade de opinião, que não significa expressar-se sem rédeas – o limite sempre será a integridade dos outros, a existência livre daqueles que não concordam com absurdos.

Problemas graves surgem quando soluções no combate a intolerância também são revestidas de ódio. Quando se julga a tudo e todos, sem discernimento, dá-se palco para arruaceiros de plantão, desejosos de ampliar sua plateia e, no caso do mundo da internet, elevar seu número de cliques. No combate generalizado em sociedade, vale quem puder aparecer mais, com ou sem discurso nazista, pouco importa.

Um antídoto inteligente é a promoção de “afinidades eletivas”, que crescem juntas e se fortalecem. A ideia aparece na química, como uma identificação natural entre elementos que se atraem mutuamente. Para o campo das intersubjetividades a transposição foi feita por Goethe, em seu último romance, de 1809, sugestivamente intitulado “As afinidades eletivas”.

Trata-se do encontro entre seres que se buscam incessantemente, promovem forças de atração e, quando se ligam, ressurgem mais fortes, numa forma renovada e quase sempre imprevista. As “afinidades eletivas” correspondem a alto grau de reciprocidade em ideias e ações. É como se fosse possível tornar ilimitadas as amizades com altos níveis de convergência.

Toda liberdade responde a dados culturais, vivências, historicidades. Estar atento a isso é gozar de plena liberdade, num mundo em que se pode confluir cada vez mais, em vez de buscar cisões nocivas.

Imagem ilustrativa da imagem Afinidades eletivas: reciprocidade em idéias e ações
| Foto: iStock

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Marco A. Rossi é sociólogo e professor da UEL - [email protected]

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A opinião do colunista não reflete, necessariamente, a da Folha de Londrina.

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