Cada época tem suas questões. Ouvi isso de uma professora muito tempo atrás. E me parece correto. As diferentes fases da infância, da adolescência e da vida adulta apresentam suas queixas e gratidões e, em geral, não retornam – ou retornam de um modo completamente diferente.

Nesse turbilhão de coisas sempre inéditas, vamos constituindo a personalidade, a visão de mundo. O caminho quase nunca é linear, tranquilo, previsível. Ao contrário: o processo de amadurecimento é sinuoso, repleto de conflitos, um drama que galanteia a tragédia em diversas ocasiões.

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Pergunto-me todo dia no que venho me transformando. É certo que as mudanças estão ocorrendo; difícil é percebê-las com a nitidez necessária ao autoconhecimento. As metamorfoses da vida – ao estilo kafkiano – não deixam de assombrar, inquietar coração e mente. Não seria melhor ser a mesma pessoa a vida inteira? Não seria bem mais fácil se tivéssemos de aprender todos as mesmas coisas?

Meu lado liberal insiste em duvidar das multidões. Quando vejo gente se negando a tomar vacina contra a Covid-19 ou gritando que o voto impresso vai moralizar as eleições, penso na seguinte fórmula: é o líder que convence as massas ou são as massas que legitimam o papel desempenhado pelas lideranças? A resposta, decerto, carrega ambas as dimensões. Mas a quem absolver de culpa?

Enfrentamos os temas da vida com pouco apreço às suas consequências futuras, deixando que problemas se perpetuem no cotidiano. Um belo dia, somos tragados por coisas que havíamos considerado ultrapassadas, resolvidas. Nesse vaivém, deixamos de usufruir a brevidade do tempo que nos é dado. Vivemos em paralisia, tratando sempre dos efeitos deletérios das crises a que renunciamos.

A sensação de que o tempo voa é comum. Passamos pelos dias sem grandes ambições coletivas, sem projetos individuais verdadeiramente oportunos e legítimos. Por isso é fácil cair em jogadas populistas, em discursos de segregação e ódio. Tudo isso promete soluções rápidas para o passado que se renova e se repete.

Ao acompanhar as falas dos “novos” líderes populistas em todo o mundo, é fácil perceber que o alvo de suas ações mais concentradas são a arte, a ciência e a filosofia. É preciso que o pensamento seja interrompido e a crítica, interditada. Cortar ou eliminar investimentos nessas áreas significa “sobras” para manutenção de um projeto de poder sem questionamentos lúcidos, sem palavras de oposição livres, e com amplo “apoio” popular e das surradas instituições.

Não sei se a voz do povo é a voz de Deus, até porque o Deus em que creem aqueles que nos governam ou representam não demonstra ter nada de bom a dizer. Prefiro acreditar que a voz do povo é a voz livre que ecoa em cada época, com todas as suas dramáticas questões.