Aprendi com Hannah Arendt que o sentido da política é a liberdade. É claro que ela não se referia à política dos políticos ou à representação partidária. Para a filósofa judia-alemã, a política se realizava pela ação comum, pelo exercício das liberdades públicas. Nesse sentido, entendo a política como uma atitude diante do mundo, a qual deixa marcas e produz legados.

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. | Foto: iStock

Um dos problemas de quem entende a política como uma ação cotidiana (ler um livro, trocar ideias com um amigo, brincar com as crianças etc.) é a questão da temporalidade. Nossa ansiedade quer que tudo aconteça imediatamente, sem sequer dar-se ao tempo de maturar como ideia ou como expressão de um desejo. A política e seus derivados são ocorrências sempre futuras.

“Que estamos fazendo agora?” – perguntava-se Hannah Arendt. A resposta a essa pergunta poderá ajudar na difícil empreitada de vasculhar o amanhã. Mais do que isso: o que hoje tem a ver com ontem terá algo a dizer sobre o depois. A história, que não ocorre em linha reta, precisa dar sentido à vida. Fora disso, reina o absurdo.

Em nossas ações carregamos nos ombros aqueles que agiram no passado em prol de um mesmo conjunto de ideais. Do mesmo modo, os que nos veem do futuro terão algo em que se apoiar. A memória, nesse sentido, é uma homenagem a quem esteve e a quem estará exercendo a liberdade, em qualquer lugar, sob quaisquer condições.

Repasso ao meu filho boa parte das coisas que aprendi com meu pai. Nós três, portanto, fazemos a história juntos. Dando tempo ao tempo, podemos deixar pistas mais visíveis àqueles que nos veem ao longe, sem chances de proximidade. Saber esperar talvez seja a mais controversa exigência da liberdade.

Hannah Arendt também nos ensina a respeito do duplo caráter da existência humana. Somos uma espécie de dois-em-um, um “eu comigo mesmo”. Não há solidão onde existam reflexões profundas sobre a vida e o mundo. Esse retorno eterno a mim mesmo preenche os dias, permite ponderar sobre projetos, torna transparente o sentido da ação. Só quem consegue se haver consigo mesmo – num exercício extenso de autocrítica – é capaz de produzir a tal liberdade, aquela que nasce da materialização de nossos desejos.

A temporalidade deixa claro que os frutos de nossas lutas por liberdade só serão saboreados pelos cidadãos do futuro – ao menos, plenamente. Esse desconforto da não retribuição é que cala tanta gente, faz tantos desistirem de sonhos e lutas. Nessas horas difíceis, temos de elaborar a imagem do mundo que desejamos deixar para nossos descendentes. Nisso, há um quê de generosidade na política como liberdade. Importa-me saber quais chances que não tive meu filho terá; alivia-me constatar que tanto esforço resultará numa vida mais brilhante, menos ocupada com a mera sobrevivência.

Aliás, é disto que fala a temporalidade: vivemos pela memória dos ausentes. A história é um hiato, uma sílaba solta, um pedido de clemência por mais ações. Que sejam bem políticas. Que sejam completamente livres.

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Os artigos não refletem, necessariamente, a opinião da Folha de Londrina.

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