Junho de 2013 está em pauta. Na TV, na rádio, nas revistas, jornais e sites de internet, o mês e o ano que abalaram a vida brasileira estão sob reflexão. Entendo que aquele foi um momento divisor nas formas de sociabilidade do país. Nada mais foi como antes, e os efeitos de todo aquele turbilhão permanecem reverberando.

Tal qual Walter Benjamin, acredito que só vale a pena recorrer à opinião pessoal se ela puder compartilhar sensações e razões mais amplas, que dialoguem com diferentes gerações e sejam um esforço consciente de partilha do comum. Os recorrentes privatismos da realidade que hoje contaminam redes sociais e gracejos públicos, além de afetados por psiquês perturbadas, nada somam ao gênero humano – no limite, são expressões da solidão tão característica destes tempos tão bicudos.

Assim, junho de 2013 não se refere a ascensões ou quedas deste ou daquele partido ou governo. Ele fala de um movimento quase contínuo que atravessa a história do Brasil. Ele aborda, portanto, a intermitência de nossa experiência democrática, tanto do ponto de vista institucional quando da ordem da vida cotidiana, dos valores que proclamamos como nossos ou apenas dos outros.

Não custa recordar: de início, as ruas foram tomadas pelo desejo jovem de tornar livre o acesso geral ao transporte coletivo; em pouco tempo, numa orquestração que reuniu mídias, igrejas, partidos fisiológicos, movimentos criados em cima dos fatos e até poderes da república, novas personagens entraram em cena, reivindicando serviços públicos “padrão Fifa”, enfrentamento da corrupção, deificação de entidades jurídicas e políticas de notável caráter opositor às esquerdas e aos tópicos pactuados na já falecida Nova República.

O resultado já é registro historiográfico: deu-se um golpe no país, abriu-se caminho para a extrema direita chegar ao poder e logo advieram os piores anos da nossa vida republicana. O consenso democrático de 1988 foi enterrado de vez, permitindo que emergisse uma cultura de revanchismo e ódio capaz de rachar a nação e travar o debate público. De lá para cá, vivemos sob efeito desse estrangulamento do bom senso e da proibição dos espíritos revolucionários. O ar tornou-se irrespirável.

Atrevo-me a pensar junho de 2013 como uma rebelião dos poderosos do Brasil. Não obstante as ruas também tenham cedido espaço para mobilizações realmente populares, protagonistas de acirradas disputas materiais e simbólicas no campo dos direitos e de um olhar “outro” sobre o mundo, prevaleceu o ranço conservador que pariu um protofascismo neoliberal que ameaça enterrar as principais conquistas da cidadania coletiva. Dia após dia, assistimos a retrocessos e horrores, cuja alma é a barbárie.

Trata-se, contudo, de um evento de longa duração que não teve início em 2013. A enxurrada contrarrevolucionária é constante no Brasil. Um exame despretensioso do passado dá conta disso. Felizmente, os resistentes, mesmo abatidos pelas sucessivas derrotas, estão por aí, reavaliando velhos sonhos e insistindo na atualidade da imaginação utópica.