Constrangimento, nestes tempos narcísicos e performáticos, é inevitável. Coleciono, diariamente, cenas diante das quais me sinto avexado, como costumam dizer nossos irmãos nordestinos. Confesso que é uma sensação incômoda, que me incita a sair correndo ou a me esconder debaixo de alguma mesa. Em certos casos, dou risada, tamanha a perplexidade. Se tivesse poder de interferir na língua portuguesa, tornaria o verbo constranger um equivalente da ideia de “choque” ou da indagação “será-que-vai-ter-coragem-de-fazer-isso?”

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Dias atrás, acompanhei a performance deplorável de um deputado paranaense na Assembleia Legislativa. Ele aplaudia um povo estranho que ocupava as galerias da casa com cartazes, urros e palavras de ordem contra o aborto. Lugar errado, gente errada. Não fosse a temeridade em si, o tal parlamentar ainda aproveitou o momento para fazer tremular na tribuna uma bandeira de Israel. Senti-me meio enojado, meio encafifado. Perguntei aos meus botões se aquilo estava mesmo ocorrendo.

Minha alegria retornou do exílio quando outro deputado – esse, sim, com a cabeça e sua própria biografia no lugar certo, na hora certa – lembrou, em meio a risos de perplexidade e galhofa corajosa, que em Israel o aborto não é proibido, muitíssimo pelo contrário. O constrangimento, nesse sentido, aparece quando sentimos vergonha alheia também. Por que esses extremistas de direita não leem um pouco, não estudam alguma coisa? Por que teimam em encenações tão deprimentes? A sorte é que há deputados que valem o voto e a confiança – e que nos fazem rir do oceano de ignorância dos neofascistas.

Constrange-me gente mal-educada, barulhenta e excessivamente espaçosa. Sinto-me envergonhado diante de indivíduos que “costuram” o trânsito, falam alto em ambientes públicos, não respeitam fila e vez, desrespeitam protocolos elementares de convívio etc. Creio que o silêncio e a discrição são virtudes e deveriam ser ensinados desde o berço, estar nos currículos escolares e ser incentivados pela mídia, por lideranças políticas, por influencers, por todo o mundo.

Preciso ser muto honesto e afirmar que pornografia me constrange, assim como música ruim, filme bobo, conversa forçada e sorrisos amarelos. É de entristecer ver gente arrotar um conhecimento que não tem, citar um autor que não leu, condenar uma obra que nunca abriu ou simplesmente repetir feito papagaio críticas sem procedência. O constrangimento se converteu num sentimento universal, tão popular quanto a indiferença e o desamor. No fundo, ele existe junto a tudo isso.

Aguardo o dia em que irei observar essas estultices e simplesmente desprezá-las. Por enquanto, elas realmente me deixam de rosto corado, pernas trêmulas, cabeça quente. É duro ver quem nunca escreveu uma linha sequer ser acolhido num espaço de literatos, professores e gente de ideias. É amargo sorver a mentira despudorada, a falta de ética, a mais obtusa fanfarronice. Constrange-me, enfim, dizer à esperança que ela deve ser cada vez mais aguerrida. Sinto, avexadíssimo, que ela está meio cansada.

* A opinião do colunista não reflete, necessariamente, a da Folha de Londrina.