A vida só não basta. Por isso, a arte é necessária. E um pouco de ética, para iluminar passos e condecorar ideias, também ajuda bastante. De nada adianta falar em amor, se o amor não é uma ação cotidiana. Pregar o reino do amanhã em meio a comportamentos duvidosos hoje é, no mínimo, safadeza. “Os apóstolos do bem nunca foram tão safados”, pensava, em voz alta, Alberto.

Imagem ilustrativa da imagem A arte da vida
| Foto: James Brey/iStock

A relação de interdependência e complementaridade entre a vida e a arte Alberto extraía das lembranças do amigo Ferreira Gullar, um poeta que defendeu, nas ações cotidianas, uma existência mais colorida e bela. Alberto, um nonagenário que herdou do avô o ofício de sapateiro e a alma anarquista, conheceu gente que lutou incansavelmente contra as ditaduras brasileiras, a de Vargas e a dos militares subsidiados por graúdos empresários. Alberto, que frequentara as reuniões do Partido Comunista na juventude, admirava a pluralidade dos seus quadros: em convívio, entendeu o dissenso democrático e aprendeu sobre as glórias e as tristezas de uma ideia que, na busca de sua utopia, acertou e errou. Alberto carregava consigo os acertos. E seguia em frente. Criticamente.

A arte, para os comunistas, era rua, cinema, teatro, letras, pinturas, poesia. Graças aos comunistas brasileiros, recordava Alberto, ele havia tido oportunidades de ouro para pensar a vida para além dela mesma, como um monumento esculpido pelo olhar de artistas tão corajosos e decentes quanto éticos e criativos. Isso é história. O resto são falsas e constrangedoras profecias astrológicas.

Longe dos noticiários de TV ou das páginas já caducas dos jornais, Alberto buscava informações sobre o Brasil e o mundo em páginas da internet em que vigorava independência analítica e se podia perceber distância dos grandes investidores (aqueles que costumam censurar e perseguir “esquerdistas” e, depois – com alguma cruz nas mãos –, berrar que “vermelhos” só praticam censura e perseguição). No geral, a pauta versava sobre angústia e perplexidade. O planeta inteiro parecia sob choque, tomado por antidemocratas, negacionistas da ciência, pregadores de obscurantismos educacionais e, principalmente, milícias. Em meio a relatos de epidemias, catástrofes ambientais, recessão global e ascensão fascista, Alberto se reconhecia incapaz. Seus noventa anos tão vividos nada ajudavam. Seria a vitória da desesperança?

As “reformas” que prometiam crescimento econômico no instante seguinte à sua aprovação já revelam o que são: cassação de direitos, arrocho e estratégia dissimulada de manutenção de privilégios do “lobo mau”. Alberto lamentava o eterno papel de “chapeuzinho” que o povo era obrigado a encenar na mesma historieta de sempre.

Em todo canto, entretanto, Alberto assistia a grupos sociais se organizando: indígenas, negros, mulheres, estudantes, trabalhadores, um mundaréu de gente disposta a resistir com elegância, oferecendo narrativas anticapitalistas ao ódio reinante. Enquanto houver essas ilhas de luta sonhando ser arquipélagos de paz e comunhão, alegrava-se Alberto, a desesperança não triunfará. A esperança é a arte que resiste num mundo em que a vida só não basta.