Aos 47 anos a professora Beatriz Demenech Mori, sem rodeios ou timidez, conta sua história de leitora com orgulho e amor. Para ela, que vem de uma família de não leitores, ler era escapar do mundo e ter acesso àquilo que não tinha em sua infância simples no interior do Paraná. “Eu lia o que caía na minha mão. Eu lia o que dava, quando ganhava livros, os das minhas irmãs, eu sempre gostei muito de ler”. Hoje, como educadora, ela não tem dúvidas de que seu caminho foi traçado pela literatura. Aos 30 anos, quando finalmente conseguiu sair de sua cidade, chegou a Londrina para estudar Letras na UEL e começar uma carreira com o que mais amava, os livros.

Beatriz acredita que os maiores benefícios da leitura vão além do desenvolvimento intelectual. Como mãe e educadora, ela valoriza a capacidade da literatura de abrir a mente dos leitores. “Com a leitura, você vive coisas que no dia a dia não existem. O livro te traz vidas e situações diferentes”.

Na família de Beatriz, a leitura é herança afetiva, seus filhos Guilherme e Júlia, de 16 e 10 anos respectivamente, são grandes leitores, para o deleite da mãe. O mais velho, assim, como ela, tem orgulho de sua história de leitor, que ainda tão jovem coleciona grandes nomes de autores e clássicos literários em sua prateleira particular e lista de leituras.

Aos 10 anos, Júlia, mais tímida e acatada, com um pouco de vergonha e medo de não saber o que dizer, cuidadosamente escolhe as palavras que aos poucos vão se soltando. “O que eu mais gosto de ler são livros de aventura, porque essas histórias trazem situações, personagens e lugares fantásticos, que não fazem parte do meu dia a dia. Na escola, todo ano a gente tem que ler uns seis livros, mas eu sempre gosto, mesmo que seja por obrigação”.

Há grandes possibilidades que esses leitores formarão e incentivarão outros leitores. Incentivo e exemplo, facilmente encontrados no caso da família de Beatriz, são as principais maneiras de formar leitores desde a infância.

A literatura infantil e sua influência no desenvolvimento das crianças é objeto de muitos estudos há anos nas áreas da educação, saúde, psicologia, linguística e sociologia. Desde a criação da ideia de infância como conhecemos hoje, esses estudos vêm contribuindo muito para melhorar a qualidade de vida e o desenvolvimento social e cognitivo das crianças.

Este desenvolvimento pode ser relacionado a muitos fatores como geográfico, familiar, físico, mas também de incentivo intelectual. A literatura tem um papel essencial para desenvolver capacidade intelectuais como vocabulário, raciocínio lógico, boa dicção e escrita com maior fluidez. Mas, para além do intelecto, muitas pesquisas também mostram que a literatura é capaz de desenvolver laços sociais como empatia e compaixão, além do grande incentivo à imaginação e apresentação de problemas e situações, características essas que podem ajudar no desenvolvimento do caráter durante o crescimento.

Com todas essas informações proporcionadas por muitos estudos em diversas áreas, ainda é comum encontrar crianças que leem pouco e pais que não conseguem inserir seus filhos, principalmente depois de adolescentes, na leitura. Se existe uma fórmula para isso, o incentivo certamente, faz parte dela, assim como o exemplo. No entanto, a formação de leitores pode ser um trabalho coletivo entre escolas, iniciativas públicas e privadas, junto com as famílias.

Iniciativas como feiras do livro ao céu aberto, trocas de livros em lugares públicos, passeios em livrarias e bibliotecas, festivais literários com atividades para o público infantil e contadores de histórias, são alguns dos exemplos de iniciativas que podem despertar a curiosidade de crianças e adolescentes e atraí-los para o fantástico mundo da literatura.

Há dois anos trabalhando na sessão infanto-juvenil da Livraria da Vila, Juliana Alves, diz que acompanha leitores desde o começo. “Eu percebo, que hoje os pais conseguem enxergar a importância de fazer a criança se interessar pela leitura desde pequenininho. Porque eu tenho dois cenários completamente diferentes: adolescentes, que os pais nunca leram e que nunca foram incentivados quando crianças, que os pais querem que leiam, que escolham um livro. É um hábito, não é do nada que vai começar. Eu vejo que quanto menor [a criança] começa, mais fácil é de continuar com esse hábito. E também vejo os pequenos, que os pais trazem desde muito cedo”.

A vendedora garante que o mercado editorial também entende essa lógica, e cada vez mais, chegam às prateleiras livros que de séries e coleções que começam mirando a primeira infância como alvo e vão desenvolvendo novas histórias que amadurecem com as crianças.

É sabido pelos pesquisadores da área de educação infantil, que quando expostas a situações de interação com a literatura desde muito novas, as crianças desenvolvem muitos conhecimentos sobre linguagem e escrita mesmo antes de praticá-las tradicionalmente no ambiente escolar. Em seu livro “A descoberta da escrita – textos de apoio para educadores da infância”, a portuguesa Lourdes Mata, afirma que, logo na primeira infância, quando a literatura e a leitura fazem parte do cotidiano de uma criança, esta tem mais ação e autonomia sobre seu desenvolvimento social e pessoal. Por isso, é importante que os adultos que rodeiam qualquer criança, criem contextos de inserção de contação de histórias para estimular a imaginação, principalmente por meio dos livros, que também ajudam no desenvolvimento educativo e intelectual.

O provérbio africano “É preciso uma aldeia inteira para educar uma criança” se aplica muito bem tratando-se da formação de pequenos leitores. É preciso todo um suporte dos adultos da família, da escola e da comunidade na qual a criança está inserida para explorar o potencial gigantesco de aprendizado das crianças da melhor maneira possível, com a grande ambição de formar uma futura geração de adultos empáticos, educados, sensíveis, críticos e mais tolerantes.