Rotina imutável

Em que o governo Bolsonaro se diferencia dos anteriores ao fazer um resumo positivo de sua atuação até agora, como se viu no meio da semana? Não há gestor municipal ou estadual, em nossas práticas, que resista ao hábito de valer-se de eventuais ganhos em indicadores macroeconômicos para atribuí-los à sua ação. Estamos no oitavo mês sucessivo de melhoras no mercado de trabalho e ainda que não se veja aí uma tendência contínua e caminhando para se tornar estável há todos os motivos para celebrá-la diante da circunstância da ainda recente crise que perdurou até 2016 e deixou inevitáveis sequelas.

A revelação crítica do Datafolha em que apenas 39% dos que ganham até dois salários mínimos acreditam na hipótese de melhora na economia e que eram 65% há um ano e o indicador chega a 57% entre os supostos mais ricos que percebem mais de 10 salários espelha uma situação comum. Certas evoluções nessas pesquisas constituem um acacianismo já que quem ganha pouco e que ainda não é afetado pela inflação custa a ver melhoras em sua situação pessoal e ao revés os que ganham mais guardam expectativa diferenciada.

Aqui no Paraná o governo se mantém sustentando que estamos bem, posto que congelando salários do pessoal do Executivo, visivelmente uma intervenção seletivamente diabólica, e apesar do ocorrido com Beto Richa em termos de corrupção a gestão atual segue nessa linha de triunfalismo apesar de continuar impondo sacrifícios a um segmento escolhido. E quando se nota a aprovação das contas da gestão referida e que devem repetir-se em exercícios seguintes fica visível que jamais serão tisnadas pelas investigações e conclusões do Gaeco.

Reformas acidentadas

Se na questão da Previdência tivemos um excepcional protagonismo dos presidentes da Câmara e do Senado, que lubrificaram seu andamento, a tributária está encontrando maiores óbices, um deles visível no cronograma da questão e no embate em cima de propostas originárias da própria área do Congresso que a promoveu. Há a queixa de trabalho no escuro pela inexistência de informações da área que detém esses dados. A demora do governo de entrar em campo para discutir o projeto e compartilhar dados oficiais preocupa e é perceptível tanto desencontro quando o próprio ministro da Economia insiste em recriar a CPMF sob um vestuário mais tecnológico e digital e com a resposta de bate-pronto de Rodrigo Maia de que esse tipo de solução não passa.

Houve a promessa de que a comissão de deputados e senadores para encaminhar a reforma tributária se instalaria antes do Natal já se percebeu que a sua criação ficará para 2020.

Previdência encalhada

Com a mediação do Judiciário, a reforma previdenciária, apesar da força da base aliada, está retida em São Paulo. Percebe-se rumo diferenciado do havido aqui ante a facilidade com que o governo administrou o assunto, dando-lhe caráter estratégico e prioritário. Essas dissonâncias poderão repetir-se em outras unidades federativas e dificultar intentos do poder central. Um pouco de menos democracia, como se deu aqui, novamente quase reproduzindo o quadro da alteração previdenciária do massacre, na transformação do Ópera de Arame na casa oprimida do legislativo, episódio vergonhoso na perspectiva institucional, mas eficaz como uma expressão de discricionarismo centrado nas razões de Estado.

Reeleição rejeitada

A imaginada reeleição dos atuais presidentes da Câmara e do Senado sob o argumento de que expressam mais do que a governabilidade, já que o fazem em nome da independência do congresso nas suas relações com o Executivo, encontra forte resistência dos apegados às normas democráticas fortalecidas pela tradição histórica. E como há um vale tudo nas especulações até o nosso senador Alvaro Dias volta a aparecer como uma solução encampada pelo movimento "Muda, Senado". Alvaro toma cuidados para não queimar-se antes do tempo como um possível postulante lavajatista. Por sinal que esse grupo não apoia a senadora Simone Tebet (MDB, RGS) por ter restrições à forma como atuou a força tarefa e que desenvolve um trabalho bom na CCJ da Câmara Alta.

Sigilo

O caso Flavio Bolsonaro, que pode voltar a sofrer breque no Judiciário, domina todas as atenções do Ministério Público do Rio de Janeiro que mantém os olhos nos fantasmas da suposta "rachadinha" e pretende quebrar o sigilo telefônico de 29 deles em busca de mensagens e registros telefônicos que comprovem que recebiam sem trabalhar. Grande parte da vitória eleitoral bolsonarista se deve à Lava Jato e cujo espírito está presente nas ações do Gaeco carioca, ainda que na perspectiva atual em oposição aberta ao governo.

Folclore

Aníbal Curi, como chefe político de municípios, tinha uma vacina contra ações do Ministério Público de Contas ou de eventual pressão de conselheiro da Corte contra algum dos seus representados: um projeto que criava um Tribunal de Contas só para essa área. Quando havia a pressão nesse sentido, o turco (ou o Buda como o chamavam) desengavetava o indesejado bolodório ou simplesmente ameaçava fazê-lo. Essa era uma das razões pelas quais Canet Júnior o chamava de "O poder".