Sólida como palafita

Festejou-se a calmaria com a retomada de pacificação intrapoderes, mas ninguém assegura a sua durabilidade e consequência prática. Foi, porém, o suficiente para tirar o mercado do estágio pré-convulsivo e restabelecer, ainda que não se saiba por quanto tempo, as condições mínimas para o diálogo, sem o qual é impossível imaginar o exercício da política, indispensável à democracia.

As partes conflitantes tentam se mostrar com fair-play sugerindo que esqueceram a troca de agressões e tudo se caracteriza como página virada. Iniciativas na verdade partiram do governo e dos seus ministros-símbolo, Sergio Moro e Paulo Guedes, aquele na insistência da tramitação do pacote anticrime e esse no empenho pelo objetivo maior, a Previdência. Quem está assumindo dimensão incomum nos acontecimentos é Rodrigo Maia como expressão do parlamento, da representação nele assentada nas duas casas face ao vulto da atuação.

Essas pré-condições, ainda que insuficientes, se mostram indispensáveis no rompimento da inércia. Por sua estabilidade tanto podem lembrar uma das barragens da Vale do Rio Doce ou a segurança de um viaduto paulista, mas ainda conserva o tom de provisoriedade de uma palafita. Tudo portanto depende da engenharia, que tanto pode falhar como reafirmar a sua eficiência, visível em palafitas com a durabilidade aparente de uma pirâmide egípcia.

Homem comum

Insisto na visão de que Jair Bolsonaro é o primeiro homem comum a assumir a presidência. Qual dos que tivemos, desde a proclamação da República, que ainda não temos, seria capaz no decurso de um atrito com o presidente da Câmara Federal, listado na linha de sua sucessão, fazer referência ao fato como briga de namorados?

Agora vem de um meio, dominantemente hostil, área da música popular, uma colher de chá de Nana Caymmi, que nele votou (“tirar PMDB e PT é garantia de que a vida vai melhorar”), baixa o porrete em Gil, Caetano e Chico Buarque e os aconselha a irem ao acampamento de Lula no Paraná. Ela considera injusto não darem a Bolsonaro um crédito de confiança. Tamanha identificação não é apenas com o caso da cantora, mas da massa dos eleitores, maioria fanática, e que entende como verdadeira a sua afinidade com a boa política, já que a má é dos seus adversários, mesmo que formem maioria. Essa forma simplista e esquiva de raciocinar fundamenta tudo e dá as dimensões do problema a enfrentar.

Primeiro passo

Semana que vem, na ida do ministro Paulo Guedes, da Economia, à Câmara Federal, é que se saberá se a reforma anda ou emperra. Vai com o seu estafe de economistas e pretende se sair melhor do que no Senado diante da possibilidade de muita provocação num ambiente mais solto e menos sizudo. Até lá a precária articulação do governo tentará consolidar o núcleo de centro-direita no sentido de sustentar o projeto estratégico. Pode ser o primeiro passo, mas também um teste de alto risco.

Planejamento

Disposto a romper a realidade, há muito implantada, de tratar o Estado como um leigo em planejamento, fixou-se um ordenamento em sua programação para um mínimo de 40 anos no governo Ratinho Junior, que deve encaminhar o documento ao legislativo na próxima semana. O Paraná só teve planejamento até a gestão José Richa, enquanto Belmiro Valverde Castor Jobim a comandou e a partir daí o empirismo prevaleceu com a dispersão dos quadros técnicos e com o setor privado, via instituições como a Federação das Indústrias, o substituindo. Trata-se da Lei de Eficiência na Gestão do Estado, que fixa as normas de intervenção, alinha planos existentes e cria o Plano de Desenvolvimento de Longo Prazo. É a volta, pelo menos prometida, do “prever para prover”. Recriar quadros não vai ser fácil.

Pedofilia

Operação nacional contra a pedofilia prendeu 137 no Brasil, na quinta-feira (29), seis no Paraná. 266 mandados de busca e apreensão de equipamentos usados no abuso e exploração sexual das crianças. Desvela, sobretudo, o lado mais obscuro da internet e tem alto sentido de alerta para os pais na contenção das práticas.

Só piada?

Claro que é manifesta a má vontade da mídia com o governo Bolsonaro, mas ao lado das críticas candentes, há um setor que advoga enfrentá-lo na base do humor, aquela legenda de que o riso castiga os costumes. Essa era a perspectiva no regime militar, que consagrou o “Pasquim”, todavia a linha da postura crítica se definirá no trâmite da reforma da Previdência, que afinal mobiliza várias corporações animadas com o tratamento seletivo dado aos militares. Alguns chistes se tornam apropriados como o de Renato Terra ao anunciar na “Folha de S.Paulo” que Bolsonaro vai comemorar o 7 a 1. Comemorar ou rememorar, tanto faz.

Folclore

O outdoor de exaltação dos procuradores da Lava Jato nas proximidades do aeroporto de Afonso Pena é badalado pela maioria, mas é tido como inapropriado por críticos, principalmente depois que criaram a tal fundação de mais de R$ 2 bi. É que pode ser visto como um caso de “merchandising” daquele imperdoável desvio.