Passadas as celebrações de Natal e Ano Novo, a ficha começa a cair: o país é o mesmo, até a esperança é repetitiva. O fardo a carregar é imenso e as reformas, em andamento, parecem insuficientes para o país enfrentar os fatos que o deprimem. Fala-se novamente em década perdida como um fatalismo, mas dá para lembrar dos bons momentos de Lula e mormente dos que se seguiram ao Plano Real.

Em meio aos discretos sinais de recuperação, que não asseguram estabilidade, já que falamos em décadas, estacamos ante uma questão filosófica: 2020 é o fecho e não o início de década. E persiste no horizonte mais próximo a intervenção do governo para acionar o mercado que não pode depender apenas de estímulos ao consumo até porque é enorme o contingente dos empregos temporários e da chamada economia alternativa. E é aí que se espera o pacote de Paulo Guedes que na reforma administrativa mexe com um dos tabus nacionais: o desligamento de servidores estáveis por mau desempenho, uma cláusula pétrea das praxes brasileiras.

Parlamentarismo

As tentativas de implantar o parlamentarismo no Brasil tiveram seu ponto máximo na Carta de 1988 e nas ações dos cardeais do PSDB ( dentre eles Mario Covas e José Richa) que estavam com moral alta e tanto que um traço híbrido permaneceu ante as pressões presidencialistas que ao final se impuseram . Há quem veja no Brasil de hoje uma formulação de parlamentarismo branco que ficou bem visível no trâmite da reforma previdenciária e especialmente em função do papel exercido por Rodrigo Maia, presidente da Câmara Federal e também, em escala menor, de Davi Alcolumbre no comando do Senado.

Isso foi terapêutico para a conjuntura nacional em função das prédicas e tiques autoritários do presidente Jair Bolsonaro e gera condições de equilíbrio entre outros agentes do poder como o confuso e pendular Judiciário que em certa medida é dos mais desafiados como demonstrou a pesquisa Datafolha que deu nota baixa ao seu comportamento.

Alertas como os feitos por Rodrigo Maia -e isso por várias vezes- de que uma CPMF mimética, ainda que fantasiosa porque assentada na tecnologia digital, não passa pelo crivo parlamentar dá bem a medida do relativo equilíbrio estabelecido. Tais advertências funcionam, embora se constate que de cada três medidas que Paulo Guedes encaminha ao Congresso apenas uma é aprovada.

INSS atualizado

A despeito da sua complexidade, o INSS (Instituto Nacional de Seguro Social) não tinha assimetria com a gestão federal, com baixo nível de digitalização. Agora intensifica a modernização em meio a um processo que fechará agências ineficientes e buscará adotar o reconhecimento facial.

Reforma trabalhista

Há ainda oito pontos da reforma trabalhista de Michel Temer em exame no STF decorrentes de 14 ações diretas de inconstitucionalidade e 3 ações declaratórias de constitucionalidade e que serão apreciados no primeiro semestre. Ganham destaque o trabalho intermitente, limite para indenização por dano moral, correção das ações trabalhistas pelo índice da poupança em vez da taxa de inflação. Isso se dá dois anos após a sanção presidencial. É o Brasil descendo a ladeira.

Mais social

A experiência carioca e paranaense da polícia protetiva mostrou o óbvio: só o combate à violência é insuficiente para esses segmentos de pobreza. Apenas no discurso preocupação com o social, evidência da falta de governo e substituída pela ação do tráfico. Recente amostra do Datafolha fez o exame da questão e mostrou que a maioria dos consultados prefere aporte em área social do que dispêndios com aparato de segurança. Na região mais desenvolvida do país, o sudeste 63% optam pelo social e 35% pela ação policial. No geral tivemos opção pelo social 57% e 41% pela repressão. O fato, porém, de 72% dos brasileiros afirmarem que têm medo de sair à rua à noite é revelador que a dicotomia, uma solução em vez da outra, confunde no fixar prioridades. Aqui mesmo no Paraná a estatística mais invocada, até para promoção institucional do governo, é a de a taxa de homicídios achar-se em queda franca.

Se é verdade que o levantamento coloca em xeque a solução pelo viés da violência não elide a necessidade de fortalecer a área. O fato é que elas não se excluem, posto que ações preventivas e repressivas dependam do atendimento no social como educação, saúde e algo focado na assistência.

Folclore

Curitiba viveu momentos intensos de anticlericalismo e também da transição da poesia parnasiana ao simbolismo. Crescia muito por aqui o positivismo (e tanto que Dalton Trevisan ironizou dizendo que eles eram 12 no mundo, 11 da capital paranaense), a religião da humanidade. Consta que um dia o poeta Emílio de Menezes atravessava a Praça Osório e um seu conhecido o saudou perguntando se ia para o apostolado e o trocadilhista exemplar replicou ´´não, vou justamente para o lado oposto´´.