Se é complicado estabelecer prioridade entre o isolamento e o retorno econômico muito mais difícil é fixar regras de direito e liberdade individual no rigor da emergência. O fato é que viveremos intensamente essa contradição, o que não impediu o STF de impugnar campanha de Bolsonaro pela abertura da economia e de burlar a transparência, mas também de permitir a entes públicos o uso da flexibilidade de gastos ante a Lei de Responsabilidade Fiscal.

Claro que precisamos de rigor estatístico, não apenas aqueles que ilustrarão avaliações futuras, mas também as do presente. Por exemplo: não temos uma estratificação por faixa etária das vítimas do coronavírus, o que facilita a versão presidencial de uma quarentena vertical que se contestada pelos dados com a mortalidade de jovens seria tecnicamente eliminada. O fato de a imprensa registrar na capa dos jornais a morte de jovens aqui de 26 anos e de estudante de 21 no Reino Unido não é escala suficiente para clarear a questão. O momento pede precisão para manter o isolamento ou a hipótese de quebrá-lo. Santa Catarina tinha plano de reabrir o comércio e foi convencida a recuar. O tempo ruge e urge.

Inclusão como medida

A preocupação dominante pelo menos nos discursos é com os não incluídos, seja o caso dos moradores das favelas, cujo módulo domiciliar é incompatível com um mínimo de cautela sanitária, ou o dos presídios nos quais apenas 31% detêm alguma assistência médica, isso conforme alerta do Conselho Nacional do Ministério Público. A realidade, como se sabe, é justamente a da carência, da exclusão, como regra geral, mas esse fato asfixiantemente objetivo se transforma em argumento-chave para as ações de governo não como rotina de estilo, mas sim de consciência de culpa, como se tal reconhecimento perdoasse o crime, o que não significaria na prática um ganho efetivo em relação à reivindicação igualitária.

O mesmo comportamento se observa em relação aos atos de governo quanto à injeção de recursos em favor de empresas e famílias. Por sinal que o Banco Central não concluiu estudos avaliatórios de como os R$ 1,2 trilhão sairão dos bancos para reanimar o mercado.

Liberou geral

Na contramão de países de condição civilizatória superior e das normas da Organização Mundial de Saúde, o presidente Jair Bolsonaro insiste em promover campanhas e cogitar de um decreto para reabrir o comércio sob o argumento de que todos iremos morrer um dia. Esse é o maior conflito político do momento, no qual o presidente se vale das redes sociais aliadas para manter o clima ideológico que o elegeu em circunstâncias diversas e ainda beneficiado pela contabilidade da Lava Jato na luta contra a corrupção e que botou muito bacana nas grades.

Já se percebeu que instituições como a maioria do parlamento e do STF são favoráveis à quarentena nos termos da OMS e de outros países. Percebeu-se que o governo sabe dessa contingência e se insiste aí e em outros temas, correlatos ou não, é porque sabe que perde, porém confia na força do contraditório e na tensão ideológica.

Folclore

Na Argentina mais de seis mil pessoas são processadas por violação da quarentena, aqui o presidente legitima as ações contrárias.