O grau de polarização das forças políticas se ajusta à realidade da pandemia e sai das ruas para as janelas e os panelaços. Em dois dias tivemos o retorno do panelaço, duas vezes abertamente contra Bolsonaro e uma vez a favor. Vai ser assim, como se nossas disputas se submetessem ao circo, o coliseu, ou a um auditório de rádio e televisão. E o julgamento será na base do palmômetro, bem mais subjetivo que as sondagens do Datafolha e do Ibope. Dá para perceber que, a despeito das suas contradições, como a de discutir o incontestável, o presidente ainda detém uma base forte de seguidores e disposta a levantar-se ao mínimo sinal do mito. Recusa-se ao clinch, a encostar nas cordas, posto que veja estreitar-se a rede de apoios ao centro a indicar aproximações com a esquerda nas redes sociais.

O fato é que nesse momento a soma de poderes conferidos a Bolsonaro só encontra paralelo em situação de guerra ou grave comoção intestina, e isso se deu por gravidade diante do mal que ele próprio tanto subestimava.

E o jurídico?

No Brasil estávamos habituados às exegeses e hermenêuticas jurídicas, filtro institucional, que em função da emergência abre caminho para cortes de salário e de jornada (aspiração antiga de parte do empresariado) justamente para preservar empregos, quer dizer a precarização do trabalho consolidada. Uma gama imensa de situações que se distanciam das normas e às quais os julgadores e demais operadores do Direito deverão se adaptar. E isso se dá num momento em que a força do trabalho está sem representação seja nos sindicatos ou nas centrais que tanto se perderam em arranjos e que permanecem em perplexidade com a perda do Imposto Sindical.

A ficção

Inevitável o paralelo entre o insólito da pandemia e passagens de literatura como lembrou o repórter Marcos Losnak com "A Peste" de Albert Camus, que narra a ocorrência da peste bubônica em Oran, cidade pela qual o escritor foi goleiro, uma vez que futebolista pode ser um intelectual como Afonsinho, Sócrates e Tostão. Já a situação intensa de pacientes na Itália que morrem sem ter a extrema unção lembra o realismo fantástico de "Incidente em Antares" de Érico Veríssimo. Pois no decurso da primeira guerra tivemos a gripe espanhola e aqui no Paraná em Paranaguá um surto de bubônica com origem nas condições de saneamento do ambiente portuário.

A competição

Nos tempos da Guerra Fria houve a emulação entre os Esteites e a União Soviética voltada à disputa espacial arrancada pelos feitos do Sputinik e Gagárin e com o americano da conquista da lua. Há agora, que não temos Guerra Fria, uma competição para ver quem melhor enfrenta a pandemia, quem chega primeiro na vacina. A China celebrou ontem o fato de não ter havido um novo caso de contaminação, houve também o evento de o remédio japonês testado positivamente contra o coronavírus, olimpíada de feitos científicos.

Folclore

"Sabãozinho, sabãozinho de burguês gordinho// toda vil reação vai virar sabão!". Canto da esquerda em congresso da UNE dos anos sessenta. Ódio sintético.