A vez dos ricos

Quando houve no Brasil a vez dos pobres? Nunca, embora sempre presente nos discursos e nas propostas. E é isso que facilita a perpetuação do status quo com as reformas liberais que tentam decalcar o modelo chileno gestado na ditadura de Pinochet. A concepção se funda num sistema que consolida a desigualdade, e o que parece incrível no caso chileno de um país várias vezes governado por socialistas ou tidos como tal, uma socialdemocracia a praticar um falso estado de bem estar social, o que justifica a rebelião recente.

Norberto Bobbio, um dos maiores filósofos do Direito, num dos seus derradeiros livros que versavam sobre direita e esquerda, acentuou que aos primeiros caberia lutar pela liberdade e aos socialistas pela igualdade. Não se trata do mito igualitário, mas de uma evolução constante na melhora dos níveis de inserção social, confrontável no caso brasileiro na pesquisa de amostra domiciliar contínua do IBGE.

E as instituições?

Repete-se, no plano das instituições, a questão dos desníveis e as manifestações do fim de semana, contra excessos do Poder Judiciário, é uma deformação da Carta a que tanto se apegam os ministros para justificar suas decisões, como se deu na questão da prisão pós segunda instância.

Está contaminado o sistema de freios e contrapesos com o poder discricionário assumindo verticalmente uma força sem precedentes, e muitas delas, como a mais recente do presidente Dias Toffoli sobre os dados sigilosos do Banco Central, em parte mais um entrevero com a Procuradoria da República. Pelo jeito vamos ter que viver outro processo constituinte para um ajuste mais equilibrado dos poderes e evitar as deformações básicas do ciclo atual visíveis na judicialização da política e na politização da justiça.

Emulação portuária

Nos anos 50, governo Munhoz da Rocha, Paranaguá bateu Santos como porto cafeeiro em escala mundial, a despeito da logística deficiente com a Estrada do Cerne, criada por Manoel Ribas, mais a partir de Curitiba, a Graciosa até chegar ao terminal. Obviamente os caminhões eram de menor porte e de limites extremos na carga. Pois agora, consolidado o nosso porto como o maior em granéis, estamos ameaçando nos tornar no maior espaço para cargas clandestinas, mas frequentes, de cocaína e outros tóxicos. Estamos em segundo lugar no ranking, percebendo-se que o sucesso nas apreensões apenas indica que vale a pena neste ano o risco da apreensão de 13 toneladas, que no ano anterior foi de 5, pelo vulto certamente incalculável das remessas não contidas. Considerando as dimensões do complexo portuário de Santos dá para imaginar aquilo que burla a fiscalização.

Polarização

Tanto Lula como Bolsonaro são interessados na polarização que evitaria a presença de outras tonalidades no processo eleitoral futuro. Normalmente, quando isso se dá com facções bem fundadas o pleito cresce, como tivemos aqui em Curitiba, em 1985, na disputa prefeitural entre Jaime Lerner e Roberto Requião, que afinal galvanizavam as tendências ideológicas e históricas daquele momento. Havia outra opção, representada pelo ex-governador Paulo Pimentel, que tinha como vice o ex-prefeito Ivo Arzua. Apesar dessa densidade política a votação ficou entre Lerner e Requião, embora a representatividade da opção alternativa.

Como a repetição da história se dá como farsa na observação de Marx corrigindo Hegel deve-se considerar que, dependendo do tom do embate, e que aparenta radicalidade, a entropia acabe abrindo espaço a um novo agente. O fato é que o antilulismo e o anti PT, mais a força da Lava Jato, privilegiaram Bolsonaro. É verdade que no momento o ex-presidente sentenciado é favorecido com a aura do martírio da prisão, e Jair Bolsonaro sofre os inevitáveis desgastes de uma gestão confusa, mas de repente com uma virada na economia pode recuperar-se.

Lula já está percorrendo o país e em Recife voltou a atacar Sergio Moro e a Lava Jato, que apuraram pelo menos parte dos seus desvios. Se uma reversão na economia acontecer, como se deu com FHC no plano real, as possibilidades de reeleição aumentam. O ideal seria que tivéssemos tantos candidatos como na primeira eleição pós ditadura, cada um ocupando uma tonalidade no espectro ou pelo menos a aparentando.