O ditado popular diz que o Brasil não é para amadores. De fato, essa frase reserva uma grande verdade.

Terminada mais uma turma do Programa Empreende Mais, do qual orgulhosamente faço parte como professor mentor, estou reforçando cada vez mais minha visão de que os obstáculos para um empreendedor vencer no nosso país vai muito além daquilo que se apregoa na literatura especializada.

Carlos*, por exemplo, relatou problemas com fornecedor. Ele criou uma empresa que vende calçados pela internet baseado na experiência de décadas da mãe, que foi uma vendedora de mão cheia nos tempos que trabalhou em lojas varejistas. Apesar do conhecimento aprofundado no setor e de ter uma carteira de clientes já formada, não consegue comprar mercadorias dos fabricantes. O problema não está na falta de capital ou na logística de acesso, porém em um certo boicote por parte de alguns fornecedores que estão sendo pressionados por grandes compradores para não vender ao Carlos. Aquela velha prática de dificultar a entrada de novos concorrentes sufocando-os com a falta de produto.

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. | Foto: Palestra Encerramento Turma II Empreender Mais

Sugeri ao Carlos a busca por novos fornecedores, mas a partir de uma nova estratégia: trabalhar com nicho de mercado. Para não ser refém dos grandes fabricantes, nada melhor que procurar um produtor de calçados pequeno, que elabore uma mercadoria diferenciada, e que esteja procurando um parceiro comercial para expandir suas vendas. Difícil? Sim, afinal estes pequenos fabricantes não têm recursos para divulgar seus produtos, logo exigem intensa pesquisa e um trabalho de garimpagem cuidadoso em eventos, hubs de inovação e redes de contato (network). Sugeri a ele a leitura de um livro muito bom para quem está com problemas semelhantes: A Estratégia do Oceano Azul, de W. Chan Kim e Renée Mauborgne. Embora os autores não se utilizem de exemplos brasileiros, o raciocínio deles é muito bom.

Letícia* vende produtos veganos congelados pela internet para varejistas e lojas. Ela me relatou os percalços pelos quais precisou passar ao trocar de sócios e criar um espaço adequado para a indústria. Com espaço novo e uma rede de clientes relativamente boa, está preocupada em como vai crescer. As dívidas e as incertezas em relação ao futuro a deixam insegura, fora o fato de que pensa em criar uma startup a partir das pesquisas que realizou no mestrado e doutorado para desenvolver uma nova tecnologia de embalagem de alimentos.

Disse a ela que criar uma startup para criar uma inovação é sempre bom, porém é importante avaliar se vai ter “perna” para tocar a empresa em funcionamento e ainda fazer decolar outra. Sócia do marido na indústria, ela acredita que pode conseguir. Ganhar escala na venda de mercadorias depende muito da área de vendas e marketing, fora na capacidade atender a novas demandas na linha de produção.

Amadores não conseguem vencer esses desafios. Por isso, acredito muito no potencial dessas pessoas e estou dando a minha contribuição. Cada vez mais acredito que os empreendedores podem salvar o Brasil.)

*Nomes fictícios para preservar a identidade dos alunos

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*Lucas V. de Araujo: PhD e pós-doutorando em Comunicação e Inovação (USP). Professor da Universidade Estadual de Londrina (UEL), parecerista internacional e mentor Founder Institute. Autor de “Inovação em Comunicação no Brasil”, pioneiro na área.