Há exatos 56 anos um cara chamado Jimmy Hendrix flambava pela primeira vez sua guitarra ao vivo sobre um palco. Foi numa apresentação na noite de 31 de março de 1967 num clube chamado Astoria, em Londres. Hendrix dividia o palco com Cat Stevens, os Walker Brothers e Engelbert Humperdink – escrito assim até parece algo plausível, mas a musicalidade do guitarrista em meio a esses nomes era de uma dissonância absoluta. Cat Stevens sempre foi um cantor folk de baladas como Father and Son e Wild World, os Walker Brothers formavam um trio numa levada pop flamboyant e para fechar, se Engelbert Humperdink fosse brasileiro ele certamente teria frequentado o “Qualé a Música” do Silvio Santos. Em meio a esse povo Hendrix era o oitavo passageiro. O Alien.

Na época o Experience, power trio formado por Hendrix na guitarra, Noel Redding no baixo e Mitch Mitchell na bateria, contava com Chas Chandler como empresário. Chandler havia sido baixista do The Animals e queria emplacar sua nova atividade como empresário. Foi então que conversando com o jornalista Keith Althan sobre o que fazer para chamar a atenção do público sobre Hendrix, Chandler recebeu o conselho nada trivial de Althan para que o guitarrista ateasse fogo ao seu instrumento. O argumento era que simplesmente escangalhar com a guitarra já era algo que o público estava acostumado a ver nas apresentações de Pete Towshend e o The Who. O empresário pediu para alguém buscar fluído de isqueiro e Hendrix pela primeira vez realizou o ritual que o imortalizaria no festival de Monterrey algum tempo depois em 68.

Se você ainda não assistiu ao filme que registrou Monterrey Pop Festival então já há algo para fuçar e ver na internet nesse final de semana – estão disponíveis no Youtube várias e diferentes edições do documentário rodado por A. D. Pennabacker. Foi o evento síntese da geração hippie, muito mais até do que Woodstock. Foi ali no palco desse festival que Hendrix reencontrou com a plateia de sua terra natal. Tudo conspirando para a construção de um aura mítica e que gerou uma das imagens mais fortes da contracultura. Hendrix foi o psicodelismo encarnado. Absoluto porque fugaz. Em três anos sua figura atingiu a “stratosfera”, grafado assim mesmo, sem o “e”, porque o canhoto que domava as microfonias com a força de seu sangue mestiço de cherokee com afrodescendente eternizou como símbolo sua guitarra Fender modelo Stratocaster.

Ouça a discografia “oficial” de Hendrix – os discos que ele gravou e produziu em estúdio principalmente. O segundo trabalho, Axis Bold As Love é uma obra-prima assim como Eletric Ladyland e a última fase com a Bando of Gypsys. É que existe uma quantidade muito grande de gravações que não foram produzidas e pecam pela qualidade técnica mesmo. Hendrix gostava muito de improvisar com tudo e com todos e muita gente captou esses momentos com recursos muitas vezes não à altura do que ele conseguia produzir com sua música.

Capa do segundo álbum do Jimmy Hendrix Experience, o LP "Axis Bold As Love"
Capa do segundo álbum do Jimmy Hendrix Experience, o LP "Axis Bold As Love" | Foto: Reprodução

Voltando ao lance das guitarras incendiadas sobre o palco, Tony Garland, o assessor de imprensa do Experience na época aproveitou a chance e subiu ao palco do Astoria Theatre depois da mítica apresentação de Hendrix em 1967 para juntar o que sobrou da primeira guitarra sacrificada pelo canhoto maior da psicodelia (sim, Hendrix era de esquerda). Garland foi para casa de seu pai e guardou os cacos chamuscados do que tinha sido uma guitarra e por lá a Stratocaster desconstruída pelo fogo e pelas distorções ficou repousando até uma bela tarde de 2006, quando um sobrinho do jornalista encontrou aquela tralha toda arruinada dentro de uma caixa guardada na garagem da família. Algum tempo depois os restos da primeira guitarra queimada por Hendrix foram a leilão para serem arrematados em 2007 pela bagatela de $575 mil libras.

Além de Hendrix e sua sanha gourmet por guitarras psicodélicas flambadas, dia 31 de março também marca o aniversário de um clássico seminal do rock’n roll. Foi no dia 31 de março de 1960 que Johnny B. Good foi lançada por Chuck Berry. O riff mais conhecido do mundo se tornou a credencial definitiva para qualquer guitarrista que queira ser respeitado.

Uma breve apófase (via negativa para os afeitos à teologia) sobre o que é verdadeiramente rock’n roll: o

rock não é branco, não é sexista, não é conservador, não é careta, não é fascista, não é elitista porque vem da classe trabalhadora. É resistência. É político até a medula. Veja lá cara pálida se você não está escolhendo a trilha errada para a sua vida.

Tudo isso até aqui amado leitor, leitora e todes que até aqui me acompanham nesse exercício ensaístico de amor incondicional pela liberdade ainda que a tardinha, só para preencher o nosso imaginário da efeméride desse dia 31 de março com algo mais colorido, barulhento, feliz e construtivo do que as sombras do pesadelo de enxofre que habita a alma e o coração enfermo daqueles que por pura perversão aderem ao revisionismo da história recente desse país. Vida longa ao rock’n roll. Viva a democracia. Viva eu, viva tu, viva o rabo do tatu. Ditadura nunca mais,cara pálida!

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A opinião do colunista não reflete, necessariamente, a da Folha de Londrina.