Foi exatamente num dia 5 de maio há cinquenta e seis anos que o grupo The Kinks lançou em compacto a canção Waterloo Sunset (https://www.youtube.com/watch?v=E7r3agfwB90), que mais tarde (2021) a revista Roling Stone viria a colocar na 14ª posição de seu ranking sobre as 500 canções mais importantes de todos os tempos.

Dias 5 de maio são comuns e acontecem de tempos em tempos, regularmente, mas esse 5 de maio em especial foi diferente. Ficou imune ao tempo e sua maldição que obriga tudo a desaparecer. O sol se põe indefinidamente para sempre dentro da letra e da melodia da canção.

Ray Daves e o The Kinks
Ray Daves e o The Kinks | Foto: Internet Archive/Domínio público

Composta por Ray Daves, Waterloo Sunset era na verdade para se chamar Liverpool Sunset, mas como os Beatles tinham acabado de lançar Penny Lane, o autor achou melhor trocar a referência para Londres e seus piers às margens do rio Tâmisa onde fica a ponte de Waterloo.

Lançada em 1967 em compacto, a canção viria a ser incluída no álbum Something Else no ano seguinte. A faixa levou 10 horas de estúdio para ser gravada. Daves queria conseguir timbres especiais para a gravação e acabou usando delays (efeito que simula eco) feitos com um gravador de rolo. O resultado soou de forma especial porque essa era uma técnica que desde os anos 50 não vinha sendo usada e com os arranjos complexos da canção Daves conseguiu criar a atmosfera única que a música incorporou.

No contexto da crítica de rock britânica, Waterloo Sunset foi considerada como uma das músicas mais lindas de todos os tempos. Algo como um réquiem para a swinging London – nome que a cidade recebe durante algum tempo na década de 60 em função da “agitação” cultural que lhe era característica.

Mas a música de Daves é muito mais do que apenas isto. O riff que abre a canção com uma escala descendente marca um efeito cinestésico de mimese do sol que se coloca no poente também de forma descendente.

Como estamos em Londrina a comparação com a música de Arrigo Barnabé e imortalizada pela voz de Tetê Espíndola (https://www.youtube.com/watch?v=OHOX8oUva6c) é compulsória. Aqui também o pôr do sol é um momento mágico. Imagine o céu que se esparrama acima de nossas cabeças ali na Avenida Paraná entre a Hugo Cabral e a Avenida Higienópolis. Todo final de tarde o céu ali é um espetáculo a parte.

A cena que Daves descreve na letra de sua canção é emoldurada por um por do sol assim e retrata um casal passeando pela ponte de Waterloo no final de um dia qualquer. O narrador observa a cena e descreve sua solidão, mas não em tom de lamúria, como no verso “and I don’t, need no friends” (e eu não preciso de amigos) – uma tomada de consciência de sua condição de isolamento mas ao mesmo tempo a percepção que a beleza do momento redime tudo.

Estar sozinho é um fato fundamental da condição trágica do indivíduo que só pode ser transcendida pela arte: “As long as I gaze on, Waterloo sunset, I’m in Paradise” (contanto que eu contemple o por do sol em Waterloo eu estou no paraíso).

A canção dos Kinks foi regravada por muita gente e com releituras muito diferentes. Uma delas é a que o grupo Cornershop divulgou pelo You Tube (https://www.youtube.com/watch?v=pHQeq0rQwx8).

Com uma cítara indiana dobrando o riff de abertura da canção a banda conseguiu ao mesmo tempo ser fiel à sonoridade original da gravação dos Kinks e ao mesmo tempo imprimir sua marca de singularidade em sua versão.

O australiano Collin Hay (ex Men At Work) também gravou uma versão assim como a revelação durante os difíceis tempo de pandemia, Marie Naffah, que imprime à música uma textura particular com sua voz rouca e de timbre único.

Os londrinenses precisam voltar a olhar para o céu. Tudo bem que a origem do nome vai no sentido contrário. Londrina vem de Londres que vem do gaélico “Lundum”, que significa literalmente poça de água escura. O nome da cidade de Lyon na França também vem dessa mesma origem celta. Por que olhar para a poça escura se podemos olhar para o céu. E aqui não é um céu qualquer.

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O paraíso fica no cruzamento da nossa cabeça e coração com o mundo que está todo aqui e agora. Não se esqueça que amanhã tem Banda Patife de graça nos 70 anos do Ouro Verde – é só pegar o ingresso na bilheteria do teatro uma hora antes do espetáculo. Vamos cuidar da alma moderna da nossa cidade que é capital do por do sol.

Patife Band: show único no Teatro Ouro Verde dia 6 de maio, às 20h30, no Ouro Verde
Patife Band: show único no Teatro Ouro Verde dia 6 de maio, às 20h30, no Ouro Verde | Foto: Divulgação

Silvio Demétrio é professor do curso de jornalismo da Universidade Estadual de Londrina

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