Quando a música e a política colidiram num álbum histórico
"Volunteers", do Jefferson Airplane, completa 55 anos em novembro, trata-se de música para pensar
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quarta-feira, 21 de agosto de 2024
"Volunteers", do Jefferson Airplane, completa 55 anos em novembro, trata-se de música para pensar
Silvio Demétrio/ Especial para a FOLHA
Quando novembro desse ano chegar um dos álbuns mais engajados e militantes da história do rock vai estar completando 55 anos do seu lançamento: "Volunteers", disco do Jefferson Airplane lançado em 1969 é, para além de uma guinada estética, um documento de época.
Foi o sociólogo e ativista Todd Gitlin quem melhor traduziu a paisagem cultural de fundo que emoldura o disco. Para ele os anos 60 foram “anos de esperança, dias de raiva” (literalmente “The Sixties – Years Of Hope Days of Rage” – livro de Gitlin publicado pela Bantan Books em 1987). Cada faixa do disco do Jefferson Airplane vai buscar sua força nesse imaginário contracultural.
Musicalmente "Volunteers" resulta na combinação de um lirismo psicodélico incorporado em grandes climas sinestésicos ao mesmo tempo que uma inserção afiada como um bisturi crítico da política e das instituições daquele momento. Não que essa disposição já não se anunciasse nos álbuns que o precederam, mas a partir desse acontecimento a banda fez uma opção estética por grandes sobrevoos em digressões poético-musicais não se preocupando com o corte padrão das gravadoras para divulgação nas rádios e também para uma abordagem mais lúdica nas pistas de dança. É música para pensar.
Embora a banda já tivesse abordado temas políticos em trabalhos anteriores, foi com este álbum que eles assumiram uma postura explicitamente revolucionária.
O Jefferson Airplane foi um produto direto da contracultura de San Francisco. A banda chegou a morar numa das casas vitorianas da famosa colina (Painted Ladies) na cidade que se tornou ponto turístico da cidade porque concentrava uma população de boêmios e artistas como o grupo The Grateful Dead.
"Volunteers" transcendeu o mero fato de ser apenas mais um álbum de rock, transformando-se em um manifesto. Ao sintetizar as aspirações dessa época tornou-se um emblema, equilibrando as demandas contraculturais do movimento hippie com um afiadíssimo senso crítico que ia muito além do imaginário da tradicional classe média branca e burguesa dos subúrbios dos grandes centros. Por contracultura entenda-se um movimento complexo e heterogêneo, com diversas facetas e contradições.
"Volunteers" captura algumas dessas nuances. É importante lembrar que a contracultura não era um movimento homogêneo e que existiam diversas correntes de pensamento e práticas dentro desse movimento. O próprio conceito de contracultura, na época popularizado a partir da obra de Theodore Roszak dedicada ao tema, hoje recebe uma diversidade de leituras que superam alguns impasses que Roszak na época não conseguiu articular de forma mais coerente. As principais publicações musicais de então, como a Rolling Stone e a Crawdaddy, dedicaram espaço considerável na recepção crítica de "Volunteers" destacando a sonoridade psicodélica do álbum, as letras engajadas e a relevância social das mensagens.
Musicalmente o álbum faz uma fusão de elementos do rock psicodélico com influências da música folk e do blues e em alguns momentos até evoca-se alguma referência oriental. A sonoridade única do Jefferson Airplane é uma das principais características do álbum. As letras de "Volunteers" foram amplamente reconhecidas por sua relevância social. A crítica à Guerra do Vietnã, a defesa dos direitos civis e a busca por uma sociedade mais justa e igualitária foram temas que ressoaram com os leitores das publicações musicais da época.
A influência do álbum na cultura pop também foi destacada pelos críticos tal como Paul Williams, editor da Crawdaddy na época avaliou: "Volunteers, do Jefferson Airplane, foi uma mudança radical em relação ao trabalho anterior, tanto musical quanto tematicamente. Marcou a adesão total da banda ao movimento contracultural, com músicas que não eram apenas psicodélicas, mas também politicamente carregadas, refletindo o espírito revolucionário do final dos anos 1960. "(The Crawdaddy! Book: Writings (and Images) from the Magazine of Rock – coletânea fac-símile organizada por Paul Williams publicada em 2002.).
Outro aspecto relevante de Volunteers é sua crítica social. Faixas como "Good Shepherd" e "Wooden Ships" exploram temas como a decadência moral e o desejo de fuga de uma sociedade corrupta e em guerra. Essas canções evocam uma visão distópica do futuro, ao mesmo tempo em que sugerem a necessidade de retorno a valores mais autênticos e naturais – em certa medida o que poderia se considerar como um neo-romantismo.
Essa crítica à sociedade de consumo e à alienação gerada pelo capitalismo é uma constante na obra do Airplane e ela se acirra em Volunteers. A banda não apenas expressa sua rejeição aos padrões vigentes, mas a articula de maneira sofisticada e musicalmente inovadora. Tal como sintetizou Marshall McLuhan com seu bordão “o meio é a mensagem”, a fusão entre música e mensagem política em Volunteers também deve ser entendida no contexto da crescente influência do ativismo na arte durante os anos 1960. O álbum não é apenas um produto cultural, mas um ato de resistência, utilizando a música como meio para desafiar o establishment.