Lançado em 1978, Music for Airports de Brian Eno é mais do que um simples álbum. Ele é um manifesto sonoro que redefine os limites da música, sendo o primeiro de uma série de trabalhos intitulados “Ambient”, com o intuito de criar composições que se desdobram no

tempo e no espaço, de forma quase imperceptível. Eno, um dos pioneiros da música eletrônica, enxergava um potencial transformador na música, algo que não deveria necessariamente se agarrar às estruturas tradicionais de melodias e ritmos, mas que poderia preencher o ambiente de maneira mais suave, menos intrusiva, semelhante ao modo como a arquitetura molda o espaço.

Nesse sentido, Music for Airports pode ser visto como um dos ápices do minimalismo na música, uma abordagem que busca reduzir o excesso e revelar a essência através da simplicidade.

No final dos anos 1970, o mundo da música estava em um momento de intensa transformação. O punk, com sua energia bruta e imediata, explodia nas rádios e palcos, enquanto a disco music embalava multidões nas pistas cos clubes. Brian Eno seguia uma direção completamente oposta a essas tendências, mergulhando na experimentação sonora, na busca por novas formas de expressão musical que pudessem desafiar as expectativas.

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Após sua saída da banda Roxy Music e suas colaborações com artistas como David Bowie, Eno começou a explorar o que viria a chamar de “música ambiente”. A ideia para Music for Airports surgiu, segundo o próprio Eno, após uma experiência frustrante em um aeroporto. Enquanto esperava por um voo, ele percebeu que a música ambiente que tocava naquele espaço era ineficaz, irritante e pouco condizente com o ambiente de transição e suspensão de tempo que caracteriza os aeroportos.

Essa percepção o levou a conceber uma nova forma de música - uma que pudesse tanto coexistir com o ambiente quanto influenciar de maneira sutil o humor de quem passava por ele. Assim, o álbum foi projetado para não apenas preencher o espaço, mas para ser uma companhia sonora serena, fluida e introspectiva. Aqui não é o espaço para tanto, mas cruzar o resultado desse tipo de música que Eno criou com a antropologia dos não-lugares do antropólogo francês Marc Augé deve render um ensaio no mínimo interessante.

Capa do livro de Marc Augé sobre a antropologia dos não-lugares
Capa do livro de Marc Augé sobre a antropologia dos não-lugares | Foto: Reprodução

O minimalismo na música pode ser visto como uma tentativa de retorno ao essencial, à eliminação de ornamentos desnecessários em favor de uma clareza sonora que ressoa profundamente com quem ouve. Eno já havia sido influenciado por compositores minimalistas como Steve Reich e Philip Glass, que exploravam a repetição e o gradualismo como meios de expressar mudança. No entanto, Music for Airports leva o minimalismo para um novo território, onde a repetição não visa o drama ou a catarse, mas a criação de uma paisagem sonora imersiva e delicada.

Dividido em quatro faixas - "1", "2", "1/2" e "2/2" -, o álbum se estrutura sobre loops e camadas de notas repetidas, sons de piano, vozes e sintetizadores, todos cuidadosamente dispostos para se entrelaçarem em um fluxo sonoro que parece sem início nem fim. As composições não têm uma narrativa clara ou um desenvolvimento tradicional; ao invés disso, elas criam atmosferas, sugerem estados de espírito, e estimulam uma forma de escuta diferente.

Ao não exigir a atenção total do ouvinte, mas oferecendo algo em retorno àqueles que se entregam a ele, Music for Airports captura a essência do minimalismo: menos é mais.

Brian Eno não buscava criar música para ser "ouvida", no sentido tradicional, mas para ser "vivida", para que ela se tornasse uma parte do ambiente, um fundo que se entrelaça com a experiência sensorial de estar em um lugar, seja ele físico ou mental.

Mais de quatro décadas após seu lançamento, Music for Airports permanece uma obra singular na música contemporânea.

Brian Eno criou a ambient music a partir de uma experiência de não-
sentido num aeroporto
Brian Eno criou a ambient music a partir de uma experiência de não- sentido num aeroporto | Foto: Wikimedia Commons

Em um mundo cada vez mais acelerado, saturado de estímulos e informações, a proposta de Eno soa mais relevante do que nunca. Escutar o álbum hoje é um exercício de desaceleração, um convite à contemplação. Em um momento em que nossas atenções são constantemente disputadas por telas e notificações, há algo profundamente restaurador em se entregar a um som que não pressiona, que não demanda, mas que simplesmente existe e se move em um ritmo que respeita o tempo interno de quem o escuta.

Ao longo dos anos, Music for Airports foi reinterpretado de diversas formas, sendo inclusive tocado por orquestras e usado em diferentes ambientes, desde galerias de arte até hospitais.

Sua influência transcende gêneros e formatos, provando que o minimalismo de Eno não se restringe a uma moda ou tendência, mas a um movimento estético e filosófico que busca reimaginar a relação entre música, espaço e percepção. Escutá-lo hoje não é apenas um retorno ao passado, mas um olhar para o futuro de como podemos conceber música e arte de maneira mais íntima, mais conectada ao momento presente.

MEDITAÇÂO SONORA

Music for Airports ainda nos desafia a ouvir com mais calma, a habitar os sons com mais atenção, e, em última instância, a viver de forma mais consciente. O minimalismo de Music for Airports transcende o tempo e o espaço em que foi criado. Ele nos oferece uma oportunidade rara: a de ouvir a música não apenas como uma arte para ser consumida, mas como uma parte integrante do ambiente que habitamos. É uma meditação sonora, uma pausa em meio ao caos. Escutá-lo ainda hoje nos convida a redescobrir a beleza do simples, do silencioso e do essencial.

Music for Airports pode e deve ser considerado um clássico da ambient music. O álbum de Brian Eno não apenas define os parâmetros do gênero, mas também foi o primeiro trabalho a utilizar o termo "ambient" de maneira explícita, estabelecendo as bases para o desenvolvimento dessa vertente musical. Ele inaugurou a série Ambient de Eno e se tornou uma referência fundamental para músicos e compositores que buscavam explorar a música como uma forma de interação com o ambiente, em vez de seguir as convenções tradicionais de estrutura melódica e rítmica.

Ao criar uma música destinada a "induzir a calma e proporcionar um espaço para pensar", Eno revolucionou a forma como o som pode ser percebido e utilizado, tanto como arte quanto como uma ferramenta para moldar o ambiente.

Essa abordagem inovadora influenciou uma vasta gama de artistas, desde aqueles na música eletrônica até trilhas sonoras de filmes e instalações de arte. Além de sua importância histórica e conceitual, Music for Airports continua a ser um ponto de referência estético para o gênero ambient. Sua longevidade e relevância, somadas à sua influência no desenvolvimento de novas formas de escuta e criação sonora, o tornam um verdadeiro clássico dentro da ambient music.

“Music For Airports”, lançado em 1978 e atual ainda hoje.
“Music For Airports”, lançado em 1978 e atual ainda hoje. | Foto: Reprodução