Uma maneira de produzir uma dobra é quando se aproximam duas obras que nasceram de domínios e situações diferentes e se instaura então uma reverberação dos sentidos que as percorrem. Quando existe uma “dupla captura de código”. Um duplo devir. Algo se desdobra nas duas direções, disparando novas séries. Promover um bom encontro assim é o que o filósofo francês Gilles Deleuze e o psicanalista Félix Guattari denominam rizoma. Um conceito que foi enunciado na primeira obra conjunta dos dois, "O Anti-Édipo", cuja primeira publicação aconteceu há pouco mais de meio século, em 1972.

Sim, o termo rizoma vem da botânica e diz respeito a uma estrutura intermediária que não é nem raiz, nem caule. Essa definição da botânica ressalta o primeiro tipo de síntese que se produz num rizoma, no sentido de Deleuze e Guattari nomeiam como síntese disjuntiva (nem isso... nem aquilo). Por exemplo, posso propor entendermos duas obras absolutamente heterogêneas formando um rizoma com elas : o minimalismo musical de Steve Reich e a arte cinética do venezuelano Jesús Soto. Do encontro dos dois produz-se algo que não é nem um nem outro, mas que, no entanto, reforça e amplia a capacidade de ambas as obras produzirem sentido. Aumenta a valência de ambas, usando uma forma de expressão que vem da química.

Soto é um artista venezuelano cujas criações ganharam o mundo na década de 90 do século passado. Sua esfera vermelha marcou a 23ª Bienal de São Paulo em 1996. Junto com ela toda uma mostra do artista foi organizada, cobrindo as diferentes etapas de suas criações. Dentre os trabalhos expostos chamava a atenção um conjunto representativo da fase cinética do artista. Grandes painéis com composições formadas por grades e treliças de metal que se projetavam para além do quando onde estavam fixadas. “Arte cinética” porque para perceber a sua essência o observador deve se colocar em movimento em relação à obra, que então produz todo um movimento aparente que nasce do cruzamento e sobreposição das grades metálicas que a compõem a partir do olhar em movimento do observador.

Steve Reich é um compositor americano que vai trabalhar o minimalismo como fundamento de sua estética musical. E esse fundamento da repetição parece ser ainda mais rigoroso até do que o que se expressa, por exemplo, na obra de Glass. A estética musical de Reich é muito mais formal no sentido de respeitar a repetição como elemento. Ele cria “grades sonoras” que vão se sobrepondo num movimento que vai produzindo ínfimos desencontros entre as repetições que são sobrepostas. O efeito é chamado de “phase”. É algo aparente e que se forma durante a execução da peça.

Um exercício interessante de educação dos sentidos é “olhar, observar” a música de Steve Reich e ouvir a arte cinética de Jesús Soto. Sinestesicamente deslocar sensorialmente os sentidos. Assim como Rimbaud evocava um desregramento otal dos sentidos. Philip Glass é sempre convocado para compor trilhas para o cinema dada a potência de evocação de imagens que sua música produz. Soto consegue criar uma melodia visual com sua arte cinética que inclui o observador em movimento na fruição de suas obras. A propósito, falecido em 2005, Soto também era músico. Glass vai bem obrigado e recentemente completou 86 anos de vida. Dois grandes criadores de domínios diferentes, mas que ao serem justapostos reverberam suas obras num rizoma que se desdobra em todas as direções. Uma das esferas de Soto pertencem ao acervo do Itau Cultural em São Paulo. Confira.

A música de Steve Reich você pode conhecer a partir do lançamento de uma trilogia dos quartetos do compositor gravada pelo Mivus Quartet que saiu há pouco pelo selo Deutsche Grammophon e já está disponível em streaming. O disco traz a interpretação do quarteto de 3 peças: “Diferent Trains”, “Triple Quartet” e “WTC 09/11”.

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A opinião do colunista não reflete, necessariamente, a da Folha de Londrina.

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