Vez ou outra aqui nesse espaço semanal eu cito um termo ao qual quem lê minha coluna já deve estar acostumado: contracultura. Relativamente popularizado pelo jornalismo e pelo entretenimento de massa, o termo pede uma definição mais precisa do que sua imediata e direta associação pelo senso comum aos anos 60 e os hippies. O significado mais direto de contracultura é a rejeição dos padrões estabelecidos pela sociedade de uma forma radical e que vê tanto no status quo quanto sua oposição institucionalizada uma forma de manter tudo segundo a ordem vigente. Trocando em miúdos isso significa que o jogo entre esquerda e direita só serve para manter as coisas no mesmo lugar de sempre. Ambos são os lados de uma só e mesma moeda que o historiador Theodore Roszak define como tecnocracia.

Para usar um conceito pós-estruturalista, a contracultura seria uma alternativa na transversal desses dois

eixos.

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A principal obra que fixou o conceito de contracultura é "The Making of a Counterculture", do historiador Theodeore Roszak publicado em 1969 no auge do movimento hippie. Roszak empreende uma leitura das então novas formas de militância e ação política da chamada nova esquerda. Pautas alternativas como as do feminismo, do então movimento gay, os direitos civis do povo preto passam a ganhar consistência no plano do debate público. Daí a importância de se pensar os acontecimentos desse momento histórico numa escala global.

Theodore Roszak fala sobre uma eco-psicologia (com legenda)

Apesar desse vínculo com a ebulição da geração das flores, o conceito de contracultura, ao que parece, foi usado pela primeira vez em 1939 por outro historiador chamado Arnold Toynbee para explicar a passagem de um modelo de sociedade para outro. Alguns autores como Norman O. Brown ("Vida Contra a Morte" – 1959) e Hebert Marcuse ("Eros e a Civilização" – 1955) também utilizaram o conceito antes de Roszak com alguns nuances diferentes, mas com a mesma essência fundamental – a rejeição de padrões estabelecidos pelo modelo vigente da sociedade.

William Burroughs, o bruxo da beat generation recomendava “A Decadência do Ocidente”, de Oswald Spengler.

Recentemente foi publicado o livro de um dos mais renomados pesquisadores brasileiros que trabalham com o tema: “Juventude e Contracultura” do professor Marcos Napolitano (USP) que saiu pela Editora Contexto (171p. em média R$40,00 ). A obra vem em boa hora porque aclimata para um contexto brasileiro informações que antes ficavam restritas aos livros especialmente em inglês. Napolitano tem um texto direto e enxuto e seu livro pode ser usado em sala de aula, pois tem a virtude de sintetizar grandes arcos temporais e conceitos sem perder a assertividade. Já existia algo nesse sentido com a publicação da tradução de “Brutalidade Jardim – a Tropicália e o Surgimento da Contracultura Brasileira”, do professor Christopher Dunn que saiu pela Editora Unesp. Com a publicação de Napolitano o estudo e compreensão dos fenômenos históricos desse importante momento na cultura contemporânea ganha mais um importante reforço em sua fundamentação teórica. O livro expande a aclimatação do conceito de contracultura para além do fenômeno mais destacado que seria a Tropicália. Napolitano consegue inserir o chamado udigrudi e toda a cultural marginal do pós-tropicalismo no debate, o que só enriquece a discussão.

Em tempos de polarização ideológica como os vivemos é fundamental buscar ar fresco em propostas mais fluídas em contraposição ao maniqueísmo político de plantão. É aí que o fenômeno da contracultura serve como exemplo e inspiração. A sensibilidade de um historiador como Napolitano tem sempre algo a ensinar, principalmente pelo cuidado em disponibilizar ao final de cada capítulo uma série de referências bibliográficas, tanto numa perspectiva historiográfica quanto de livros de ficção e memorialísticos. Também é apresentada uma lista de filmes e documentários que podem enriquecer em muito a experiência do leitor.

Algumas outras referências sobre o tema da contracultura que acho serem proveitosas para quem se interessa sobre o assunto: o sempre recomendadíssimo e premiado “O Som da Revolução – Uma História Cultural do Rock 1965-1969” (Ed. Civilização Brasileira) de Rodrigo Merheb; “A Contracultura, entre a curtição e o experimental” (n-1 Edições e Hedra), do professor Celso Favaretto e uma terceira obra que merece uma tradução que é “Anti-Disciplinary Protest – Sixties Radicalism and Postmodernism” da neozelandesa Julie Stephens.

Talvez as novas gerações encontrem um respaldo pedagógico na descoberta dos significados das manifestações e fenômenos contraculturais para melhor absorver a produção corrente de autores como Hakin Bey (lançado no Brasil pela Conrad) e seu terrorismo poético ou então o sarcasmo sadio de um Bob Black (também Conrad) e seu gouxo-marxismo. Renovar as estratégias porque o desejo é o campo do sempre diferente. O campo do “super-outro”, para usar uma referência ao cinema underground de Edgar Navarro.

Caretas de ambos os extremos do meu Brasil varonil, tremei-vos! A imaginação no poder vos espreita! Nada será como antes, amanhã!

Documentário sobre contracultura e psicodelia (dublado em português)

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