É uma mania no jornalismo cultural há muito tempo: fazer listas. A revista Rolling Stone está aí para ser o órgão supremo das listas. “As 500 melhores canções”, “os 100 melhores guitarristas de todos os tempos”, e por aí vai. Nessa seara a Dobra dessa semana corre o risco para elaborar a sua primeira lista por aqui donde a terra é da cor do pânico moral com o comunismo (e nossa bandeira em Londrina é vermelha e com estrela de cinco pontas). Sem muito esforço é possível elencar 10 grandes clássicos da música brasileira que estão completando 50 anos de seus lançamentos.

O primeiro deles é “Das Barreiras do Rio Gavião”, de Elomar Figueira de Melo, lançado em 1973 pela Polygran. Sua canção mais conhecida é “O Peão na Amarração”. Suas composições são muito ricas em arcaísmos que marcam o imaginário da cultura nordestina e grandes nomes da MPB gravaram suas músicas como Elba Ramalho, Xangai e Marlui Miranda.

No mesmo ano foi lançado também o primeiro e seminal disco dos Secos & Molhados – aquele da capa com as cabeças dos integrantes servidas em bandejas sobre uma mesma. Da primeira à última faixa o disco é um Olimpo das canções brasileiras que entraram para a história. Na época de seu lançamento a música “Vira” fez um sucesso muito grande por conta do clipe apresentado na revista dominical Fantástico da Rede Globo. Nei Mato Grosso, João Ricardo e Gérson Conrad conseguiram conquistar o grande público com uma proposta absolutamente singular para os padrões da época. É um disco atemporal e mágico.

Também é de 1973 “Krigh-Há, Bandolo”, de Raul Seixas. “Metamorfose Ambulante”, “Mosca na Sopa”, “As Minas do Rei Salomão” e “Al Capone” são desse disco que teve uma campanha de lançamento muito articulada. Teve até fotonovela na Revista Pop – publicação que fazia a cabeça da rapaziada naqueles tempos de muita repressão política e de desbunde anticaretice de quem não gostava de dançar a música que a banda do quartel estava tocando.

Na mesma toada de Raul, Sérgio Sampaio lançou seu “Eu Quero É Botar Meu Bloco na Rua”, título também da principal faixa que viria a se tornar uma metáfora para toda uma geração da militância pela democracia. É do mesmo ano também “Pérola Negra” de Luís Melodia, que além da música homônima também traz o clássico “Estácio Eu e Você”.

Foi naquele ano que também que Dona Clementina de Jesus lançou seu fabuloso terceiro disco, “Marinheiro Só”, que sintetiza as raízes do que se pode entender por música brasileira, nem que esteja sendo tocada no Cazaquistão. Clementina era a ancestralidade encarnada. “Taratá” é uma faixa atemporal como todas as outras, mas com um trabalho de percussão que dá um colorido especial para o disco.

Também completa 50 anos “A Matança do Porco”, do grupo O Som Imaginário. Um tanto esquecido por esses dias pandêmicos, o grupo mineiro inicialmente criado para acompanha Milton Nascimento impressiona só por seu elenco: Wagner Tiso nos teclados, Naná Vasconcelos na percussão, Tavito e Frederyko nas guitarras, Zé Rodrix nos vocais e Robertinho Silva na bateria.

De volta ao país depois de seu exílio na Inglaterra, Caetano Veloso lança o álbum que talvez seja o mais experimental de toda a sua carreira. “Araçá Azul” é de 1973 e trouxe para o grande público brasileiro uma musicalidade que traduzia as fortes influências que Caetano encontrava na poesia concreta dos irmãos Campos. Nesse horizonte pós-tropicalista Gal Costa lança “Índia”. Destacam-se desse trabalho “Volta” e a versão de Gal para o clássico da bossa nova “Desafinado”.

Fecha a nossa lista “Ou Não”, segundo álbum do maldito Walter Franco, que também tinha nessa época uma forte influência dos irmãos Campos e da poesia concreta. Assim como “Araçá Azul” de Caetano, “Ou Não” parece reverberar o experimentalismo radical do pós-tropicalismo em sua busca por novos horizontes.

O pecado original ou nem tanto de qualquer lista é algo compulsório a quem se presta a elaborá-las: pecar por deixar algo importante e significativo de fora. A lista aqui apresentada é resultado de um exercício de memória afetiva e musical. Peço desculpas se deixei escapar algo que pressinto que já esqueci. Mas isto dá ensejo para pelo menos uma outra lista. A das grandes omissões em listas de críticos musicais, mas daí já é assunto para uma outra coluna. Como cantava Walter Franco, que possamos manter “a coluna ereta, a cabeça esperta e o coração tranquilo”. Vai em paz meu amigo Gutemberg (tinha comentado com esse meu amigo que escreveria essa lista e acabei fazendo isso logo no dia de sua partida).

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