Imagine que você está no meio de uma tempestade elétrica, sentindo cada raio correr pela espinha. Agora imagine que a força por trás dessa tempestade é “Electric Ladyland”, a explosão cósmica final de Jimi Hendrix. Isso não é apenas um álbum que foi lançado em 16 de outubro de 1968; Eletric Ladyland é um grito primal vindo de algum canto inexplorado da mente, onde o blues se encontra com o caos cósmico, e o rock se transforma em algo mais. É como se alguém tivesse capturado a própria alma do rock'n'roll, preso em âmbar durante meio século, e agora nos oferece a chave para libertá-la.

”Eletric Lady Studios” é uma caixa de Pandora na qual existem só coisas boas e ela chega às lojas e plataformas de streaming nesta quinta-feira (3). Para comemorar esse evento cósmico fãs de Hendrix do mundo todo fazem a contagem regressiva para o lançamento do box set comemorativo dos 54 anos desse monolito sônico. A pergunta não é o que Hendrix fez nessas gravações; a pergunta é como nós, meros mortais, conseguimos sobreviver à sua presença.

Lá em 1968, quando o mundo parecia queimar nas brasas de uma revolução, Hendrix estava sentado no olho do furacão, construindo um monumento de som tão vasto e intangível que, honestamente, é difícil acreditar que ele realmente aconteceu. E agora, com o box set que desenterra versões inéditas, demos e takes alternativos, o que temos em mãos é algo que vai além de simples nostalgia. Estamos diante de uma descoberta arqueológica de uma mente em sua forma mais pura, em ebulição, onde cada nota tem o peso de uma revelação.

Ver Hendrix em estúdio é como testemunhar Prometeu roubando o fogo dos deuses. Ele brinca com os acordes, ajusta o som como se estivesse mexendo nas engrenagens da própria realidade. O box set nos deixa entrar nessas sessões sagradas, onde o improviso reinava, onde faixas como ";Voodoo Child" nasceram, não de uma simples inspiração, mas de uma necessidade divina de explodir cada convenção do rock com uma dose de blues injetada diretamente na veia do universo. Hendrix aqui não está só tocando guitarra, ele está *criando* o espaço entre as notas.

Capa de “Eletric Lady Studios”,a ser lançado nesta quinta-feira (3)
Capa de “Eletric Lady Studios”,a ser lançado nesta quinta-feira (3) | Foto: Reprodução

ESTOQUE DE FEITIÇARIA

Agora, quando falamos de inéditos no contexto de Hendrix, não estamos apenas falando de algumas sobras de estúdio, um solo a mais aqui ou ali. Estamos falando de segredos. Hendrix morreu antes de esgotar seu estoque de feitiçaria, e cada take alternativo, cada versão demo, é como encontrar páginas de um evangelho perdido. No momento em que você ouve aquele riff de guitarra familiar, mas com um toque diferente, você percebe que está testemunhando algo eterno. A música de Hendrix era mutável, viva, orgânica e sempre em transformação. Ela não era feita para ser presa no vinil ou no digital; ela era feita para flutuar, como fumaça no vento, intocável e inalcançável, mas, ao mesmo tempo, visceralmente presente.

E esse box set faz exatamente isso: ele oferece um vislumbre da máquina desejante de ideias de Hendrix em pleno funcionamento. As faixas inéditas são como esboços de uma obra-prima que nunca termina, uma sinfonia de caos e beleza que desafia a compreensão. O que mais impressiona não é o que Hendrix já havia feito, mas o que ele poderia ter feito se o tempo estivesse a seu favor. Cada novo take é uma abertura para um universo alternativo de possibilidades sonoras.

Electric Ladyland foi a prova definitiva de que Hendrix não estava interessado em simplesmente tocar música; ele queria destruir e reconstruir a realidade. Naquela época, o rock psicodélico estava em sua ascensão, mas Hendrix foi além dos padrões do gênero, mergulhando no fundo do abismo e emergindo com algo que era tão espiritual quanto técnico.

Ele usou o estúdio de gravação como um laboratório de alquimia, onde guitarras se tornavam instrumentos de guerra psíquica e vozes ecoavam como lamentos de deuses esquecidos.

O box set captura essa alquimia de uma forma que nenhum relançamento anterior conseguiu.

Estamos falando de takes crus, onde o som é áspero, inacabado, quase primitivo. É aí que reside o verdadeiro gênio de Hendrix: ele não polia suas ideias até que elas brilhassem. Ele as deixava pulsar, vivas, selvagens, incompletas, porque sabia que a beleza verdadeira estava no caos. Em vez de suavizar as arestas, ele as afiava, até que cada nota cortasse o ouvinte como um fragmento de estrela cadente. A nova mixagem dessas faixas inéditas transforma o ouvinte em cúmplice do processo criativo, um voyeur cósmico assistindo a gênese de algo que desafia a razão. O que Electric Ladyland representa para o rock e para a música como um todo é um manifesto. Hendrix, em sua breve e brilhante carreira, foi o guia de uma jornada que o rock ainda não completou. Ele não apenas quebrou as regras – ele as transformou em cinzas e as espalhou pelo vento. E o que este box set faz é reavivar essas cinzas, oferecendo novos caminhos para explorar e novas perguntas para fazer. Hendrix não era um músico – ele era um explorador, e cada take alternativo, cada jam inacabada, é uma pista de sua próxima expedição.

Greil Marcus certa vez disse que a música é, acima de tudo, uma batalha com a memória. E o que este box set de Hendrix faz é travar essa batalha de frente, reavivando memórias que talvez nunca tenhamos realmente conhecido. Ouvir essas faixas inéditas não é apenas um exercício de nostalgia – é uma provocação, um convite para repensar tudo o que sabemos sobre o rock, sobre o que a música pode ser, e sobre o que significa ser um criador em tempos de destruição.

Para tirar uma casquinha:

ARTEFATO DE OUTRA DIMENSÃO

Ao final do dia, o box set comemorativo dos 54 anos de Electric Ladyland não é apenas uma coletânea de sons. Ele é um artefato de outra dimensão, um pedaço tangível de um momento em que a música estava à beira do abismo, pronta para se lançar no desconhecido. Hendrix foi o guia dessa jornada, e agora, com esse lançamento, somos convidados a segui-lo mais uma vez, não como turistas, mas como peregrinos em busca de algo que talvez nunca seja encontrado.

Lester Bangs provavelmente diria que Hendrix foi o último verdadeiro xamã do rock, e ele estaria certo. O que esse box set nos oferece é uma chance de sentar à beira da fogueira com esse xamã mais uma vez, enquanto ele conjura novos feitiços e nos deixa com mais perguntas do que respostas. É uma experiência que transcende o som, é quase metafísica. E assim, 54 anos depois, Electric Ladyland continua a reverberar, como uma tempestade elétrica que nunca se dissipa.