Vivíamos em meados dos anos 1960. Na rotina das casas, além das conversas e risadas das pessoas, o cacarejar das galinhas no terreiro, os pássaros, a martelada da Araponga ecoando do Armazém do Fiorezzi, o barulho dos gatos e cachorros, certa monotonia tomava conta da vida. Além dos livros, da escola, já não gostávamos das mesmas brincadeiras, havíamos crescido. Então uma novidade chegou para mudar nossos costumes e alegrar nossas vidas: o rádio movido a pilha. Nós, nossos vizinhos, amigos, parentes, todos tínhamos rádio.

Lembro-me das radionovelas apresentadas pela Rádio Atalaia, cujos capítulos esperávamos com ansiedade. Histórias melosas, onde as mocinhas sofriam e eram salvas pelos mocinhos lindos, verdadeiros príncipes; os vilões e vilãs eram odiados e tinham o que mereciam, no fim. Essas personagens fantásticas nos eram reveladas por meio das vozes dos artistas, dos quais até me lembro de alguns: Margarida Marim, Gilmara Sanches, Vida Gomes, Alvaro Dias... Chegava a hora das novelas e a gente grudava ali no rádio, às vezes até chorava de emoção, se apaixonava e torcia para que aquele casal ficasse junto. Se as pilhas estavam fracas e o som baixo, era hora de fervê-las - isso mesmo! Por uma questão de economia.

Sinceramente, comparando com as atuais telenovelas, era muito melhor porque nossa imaginação é que desenhava o rosto e a vida daquelas personagens!

Radionovelas à parte, tínhamos também os programas de rádio favoritos e seus apresentadores, igualmente amados e admirados pelos ouvintes: Heverson Morais que apresentava o Programa Alma Mexicana, Battini Neto, Siqueira Martins, Antenor Ribeiro, José Maquiolque e muitos outros que alegravam nossos dias do nascer ao anoitecer. Com todos os vizinhos ouvindo o rádio, nessa ou naquela emissora, o cotidiano das pessoas mudou...e para melhor. Mais informação, mais música, mais humor, mais alegria. Nas conversas, as pessoas costumavam repassar as notícias como:"Deu no rádio...ouvi em tal programa, tá passando no rádio …". A partir das 5 horas da manhã, era uma cantoria só...e sertaneja! Mesmo que você não gostasse, tinha que ouvir!

Imagem ilustrativa da imagem Na era do rádio



Minha tia Ercília não perdia a Consagração à Nossa Senhora Aparecida, que era transmitida às três da tarde pela Rádio Aparecida. E os ensinamentos do "Padre Víto..."

Meus avós Mário e Luiza tinham um vizinho chamado Raulzinho, que vinha todas as noites à casa deles para "juntos ouvirem rádio e conversar". Impensável hoje em dia uma coisa dessas pois as pessoas perderam esse costume, digamos, antigo e sem importância, que só servia mesmo para tornar a vida mais feliz.

Outra onda da época era escrever cartas para os programas, solicitar uma música e oferecer aos namorados, amigos, conhecidos, comemorar os aniversários e casamentos. Tínhamos também os correspondentes - pessoas que ouviam os programas e mandavam o endereço para se corresponderem trocando cartas e se tornando amigos, ou algo mais. Era mais ou menos um e-mail ou facebook da época. Trocávamos cartinhas via correio, descrevendo como éramos: idade, aparência física, preferências pessoais, etc. Às vezes mandávamos fotos e até chegávamos a nos conhecer, se fôssemos visitar a cidade do "correspondente".

Com o advento da Televisão, o rádio foi perdendo espaço, mas nem tanto quanto o que nós fomos perdendo: a capacidade de imaginar, de sonhar, de amar, de cultivar amizades, de ouvir com tempo e com atenção. A atual facilidade de comunicar (quem poderia imaginar?) tornou-nos desatentos com o mundo, preguiçosos, impacientes com as pessoas, sempre com pressa, economizando as palavras, preferindo apertar botões e deixar a figura falar por nós. Cortamos as palavras pela metade, preferimos sentar com um celular nas mãos ou atrás de um computador do que cantar, andar, correr, procurar conhecer mais pessoas, valorizar o relacionamento entre elas.

Falando em valorizar, fica nossa homenagem aos artistas do rádio que " embalavam nossas noites e tornavam mais alegres nossos dias".

Sem desmerecer toda a tecnologia da comunicação de que dispomos hoje, podemos concluir que naquele tempo éramos imensamente felizes.

Hoje, na AM da vida, sintonizamos o passado com uma pontinha de saudade de nossas lembranças " irradiadas"...

Mas como a fila anda, para não parecermos velhos, vamos ser modernos? ..."E ahe, td bm? Blz? Se curtiu, compartilha!"

ESTELA MARIA FREDERICO FERREIRA, leitora da FOLHA