Existe uma linha tênue entre estimular o melhor de um time e agir como um líder tóxico. Quando essa linha é cruzada, a busca por excelência dá lugar ao abuso de poder, à imposição de metas inalcançáveis e à ambição cega. E o mais preocupante: hoje em dia, tudo isso ainda costuma ser vendido como sinal de “liderança forte”.

O discurso é sempre parecido: “Estamos construindo algo único”, “Aqui é só para os melhores”, “A régua é alta”. Mas, quando se olha de perto, o que se vê são equipes esgotadas, um ambiente tomado pelo medo e reuniões carregadas de tensão. A cultura da performance vira, na prática, uma cultura de opressão.

Ser exigente não é o mesmo que ser grosseiro, e ter um “padrão elevado” jamais justifica o desrespeito com as pessoas. Aliás, é justamente esse tipo de distorção que gera espaços de trabalho onde quem pede ajuda é fraco, quem erra é descartável e quem não aguenta o tranco é rotulado de incompetente.

Alguns exemplos que testemunhei nos últimos anos:

  • Em uma empresa do agro, um gestor enviava mensagens no WhatsApp às 6h da manhã esperando resposta imediata das pessoas. Dizia que “quem quer crescer, está sempre disponível”. Consequência? Dois dos melhores analistas pediram demissão por esgotamento e falta de limites.
  • Em uma grande rede varejista, uma diretora proibiu seus gerentes de sair para almoçar em horários convencionais. Segundo ela, “líder só almoça quando o resultado está entregue”. O turnover dobrou em seis meses, e o ambiente virou um terreno de cinismo e medo.
  • Já um gerente comercial instituiu o “quadro da meta vermelha”, com os nomes dos que não bateram as metas do mês expostos na parede do escritório. “É pra gerar desconforto”, dizia. Gerou mesmo — tanta gente se sentiu ameaçada que começaram a manipular dados, esconder informações e competir de modo desleal.

Esses líderes são o reflexo de uma filosofia de gestão que ainda associa desempenho à dureza, autoridade à arrogância, e sucesso a jornadas desumanas. Só que isso tem um preço alto. E quem paga, primeiro, são as pessoas. Depois, os resultados.

Por isso, um alerta: pense bem antes de se inscrever em imersões corporativas famosinhas que prometem transformar você em uma águia, um leão ou um tubarão em dois ou três dias. A metáfora animal pode até parecer empolgante no palco, mas o conteúdo costuma ser raso, agressivo e baseado em discursos ultrapassados sobre sucesso. Quando a narrativa gira em torno de "vencer ou morrer", “quem chora não vende” ou “só a dor forma um bom caráter”, acenda o sinal vermelho.

Em muitos casos, essas experiências estão mais ligadas à manipulação emocional e culto à personalidade do palestrante do que ao desenvolvimento genuíno. É a romantização da brutalidade. E, ironicamente, o que se vende como performance elevada costuma resultar em ansiedade, frustração e um ego inflado, mas vazio.

Desenvolver-se como líder não é se tornar um predador e sim um construtor. Alguém que desafia sem humilhar, que inspira sem gritar, que transforma sem teatralizar.

Alta performance de verdade nasce da clareza, do propósito, da autonomia e da segurança psicológica. De líderes que cobram, sim, mas com humanidade. Porque resultado sem respeito é só um sucesso que dura pouco — e destrói muito.

* Wellington Moreira, palestrante e consultor empresarial

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