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. | Foto: Marco Jacobsen

Guimarães Rosa já dizia: “Viver é perigoso.”

A frase do mestre tem mais a ver com o “aprender a viver” que, na sua opinião, é o viver mesmo. Mas fiquei pensando no perigo de estar vivo quando passei por uma pequena experiência de incêndio no edifício em que moro esta semana.

Foi quase nada perto dos riscos de quem já se acidentou feio, sobreviveu a uma doença perigosa ou passou por um incêndio de grandes proporções. Mas bastou me sentir encurralada no meu próprio apartamento, sem poder descer as escadas cheias de fumaça - nas quais não se enxergava nada, com o agravante de um cheiro tóxico – para pensar no quanto somos frágeis, pendurados às nossas vidinhas por um fio que pode arrebentar a qualquer momento.

Nos últimos anos, vi coisas de arrepiar que não faziam parte de nenhuma ficção. Foi impressionante o resgate de uma mulher no estado do Rio de Janeiro, em 2011, que foi içada do meio de uma enxurrada caudalosa por um rapaz que salvou sua vida, quando todo mundo achava que não havia mais nada a ser feito.

Em 2019, no estouro da barragem da Vale do Rio Doce em Brumadinho (MG) foram vários casos de resgates impensáveis de pessoas no meio da lama. As cenas de uma tragédia daquelas proporções mostravam pessoas quase disformes, em situações tão arriscadas que nem pareciam realidade. Às vezes imaginava que tínhamos sido jogados ao início da Criação quando o homem saiu do barro para a vida mas, no caso, ali muitos saíram da lama para a morte.

Se pensarmos a quantas tragédias somos submetidos diariamente, vamos chegar à conclusão que vivemos mesmo uma transitoriedade de expiações. Nascemos e vivemos expostos a riscos e se em algum momento podemos nos sentir protegidos e seguros, logo vem a vida dar uma lambada para nos mostrar que somos frágeis e mortais.

A transitoriedade é tema de vários campos do conhecimento, da filosofia à psicologia, da literatura à medicina. A história humana é feita de acidentes, doenças graves e grandes curas. Só sentimos a dimensão de tudo isso quando levamos um tapa da existência, uma sacudida em nós mesmos ou através das pessoas próximas que adoecem ou morrem.

Neste momento, vivemos mais um drama humano com a pandemia do coronavírus, mas antes dela pessoas morriam rodos os dias de causas variadas, mas as epidemias têm um modo dramático de nos colocar coletivamente diante da tragédia que é a ameaça à própria espécie. E só assim, num coro de ais, nos tornamos repentinamente mais conscientes e mais solidários. Fora isso, vivemos individualmente sem imaginar perigos que, na verdade, atravessam nossa vida inteira.

Depois de sobreviver à infância e à juventude – sempre cheia de riscos - chegamos à maturidade como heróis sobreviventes e chegar à velhice é uma dádiva para poucos. Por isso, não devemos ter medo de envelhecer. A velhice é o tempo extra, o plus da experiência, o máximo do desfrute que nos permite enxergar que “viver é perigoso” e superar situações de risco um presente que ganhamos quando o fio da vida é esticado ao seu limite. E como é bom estar vivo, sempre!