"Uma pessoa feliz não precisa de religião, não precisa de nenhum templo. Para ela, todo o universo é um templo."
Nos anos 1980, frases como essa eram repetidas por pessoas que não só as liam, mas procuravam viver segundo os ensinamentos do Bhagwan Shree Rajneesh, ou simplesmente Rajneesh, o guru de olhos profundos que se tornou uma das celebridades mais conhecidas da contracultura. Um misto de atitudes libertárias, ensinamento filosófico, fé religiosa e fanatismo de seita se misturavam no movimento criado por ele primeiramente na Índia, nos anos 1960, e que depois espalhou-se por vários países, onde jovens entraram de cabeça numa espécie de transe cultural que tem seguidores ainda hoje.

O guru nasceu na Índia em 1931 e foi chamado de Rajneesh Chandra Mohan Jain, nome que mudaria mais tarde para Bhagwan Shree Rajneesh. Quase três décadas após sua morte, em 1990, a Netflix lança a série documental "Wild Wild Country", dirigida pelos irmãos Chapman e Maclain Way, que resgata a vida do guru pop, cujos ensinamentos combinavam com as expectativas de uma parte da sociedade empenhada em mudanças planetárias, a partir de uma revisão do seu modo de vida.

Na época, muitas de suas ideias pareciam interessantes e avançadas dentro do contexto em que se desenvolveram, quando milhares de pessoas acreditavam em transformações fundamentais. Mas o sonho de construir uma sociedade livre esbarrou em fatos contraditórios que borram toda a ética das relações.
Rajneesh teve carisma para criar um movimento sobre o qual eu tinha informações que nem arranhavam a dimensão do fanatismo, mostrado na série, que levou membros da seita a atitudes impensadas.

Imagem ilustrativa da imagem Um guru libertino
| Foto: Ilustração: Marco Jacobsen



O movimento em torno do guru teve seu ápice nos EUA, em 1981, onde ele criou um ashram enorme, na verdade uma comuna agrícola projetada como uma cidade para receber 5 mil pessoas. Num passe de mágica, no meio de um dos estados norte-americanos mais conservadores, entre os habitantes de uma pequena cidade – Rajneesh atraiu milhares de pessoas que chegaram numa revoada, vestidas de vermelho, cantando músicas indianas, dedicadas às práticas da "meditação dinâmica" e da "terapia de gargalhadas." Formou-se assim um grupo festivo, cuja extroversão se expressava no sexo livre, ponto alto dos ensinamentos do guru, cuja liberalidade moral não tardou a chocar a sociedade tradicional do Oregon e do país inteiro.

A turma procurou também se adaptar às leis do local em vez de enfrentá-las e participaram de conselhos da prefeitura sendo capazes, no entanto, de criar um laboratório de bactérias onde cultivaram a salmonella que foi distribuída em mais de uma dezena de buffets de restaurantes, causando uma intoxicação que chegou a impedir 750 pessoas de votar num dia de eleição. Essa ação foi considerada o "primeiro ataque químico" dos EUA, nos anos 80.

Depois de florescer com a prática agrícola e a criação de um mercado paralelo, a ostentação de Rajenessh - que chegou a ter 90 Rolls Royce - passou a suscitar críticas, até a comunidade passar a ser perseguida.

Sheela, secretária de Rajnessh e considerada seu braço direito, rompeu com o guru, após uma série de episódios que vão de conflitos de administração a ciúmes, e fugiu para a Alemanha. Aproveitando sua ausência, Rajeneesh, que se transformou também em alvo da justiça americana, inclusive por problemas com a imigração – na verdade um álibi que também serviria para justificar sua expulsão do país - passou a acusar sistematicamente a ex-secretária, como quem empurra para um inimigo útil um pacote de culpas.

Sucederam-se ações espetaculares, como a tentativa de fuga de Rajneesh e alguns membros da seita em aviões fretados, interceptados pela polícia que apreendeu dinheiro vivo e joias, até finalmente ele ser solto sob fiança e voltar para a Índia, onde trocou o nome para Osho – segundo as fontes, uma designação de mestre – até morrer em 1990 tão amado quanto odiado. A história de Osho é uma demonstração do que pode a união coletiva em movimentos que prometem o Shangri-lá. Com um pé na sabedoria e outro na picaretagem - pela usura exagerada dos bens materiais e manipulação de pessoas - a história de Osho ainda guarda um enigma indecifrável: nunca saberemos se ele foi um anjo ou um demônio contracultural mas, sem dúvida, ele passou pela Terra tocando mentes libertinas e também conservadoras que nem se deram conta da mudança. O Oregon, mesmo sem Osho, nunca mais foi mesmo.