A serenidade é como a chuva fina, não chega com estrondo, mas fertiliza a terra profundamente e penetra nossos poros.

A serenidade pode se contrapor à dureza como uma força poderosa, sem estardalhaços.

Ao tomar conhecimento do sermão da bispa Mariann Edgar Budde numa celebração da posse de Donald Trump como presidente dos EUA, fui invadida por uma onda de amor universal.

É que a bispa da Igreja Episcopal norte-americana disse tudo a Trump de uma maneira tão serena, num tom de voz tão doce, que a mensagem de amor destinada à comunidade LGTB e aos imigrantes perseguidos pelo presidente entrou como chuva fina nos meus poros despertando sentimentos, desses que muitas vezes perdemos nos embates que ganham tons cada vez mais altos nas redes sociais, onde a gritaria obscurece a razão.

A fala da bispa foi corajosa e tão tranquila que desafiou Trump mais do que mil discursos irados. Sentado no primeiro banco da igreja, foi claro seu desconforto, seu corpo enrijecido por uma couraça de caráter que poucos opositores perfuram, a boca trêmula mal segurando o contra-ataque, os olhos frios, reptilianos, em confronto com uma mensagem de amor.

A líder religiosa pediu compaixão para com segmentos que Trump ataca como parte de sua campanha de "homem de bem". Ela pediu misericórdia pelo povo que hoje tem medo dele, falou pelos gays, lésbicas e transgêneros que podem ser de "famílias democratas ou republicanas." Falou também pelos imigrantes, sujeitos à deportação e que, segundo ela, faxinam escritórios, trabalham em frigoríficos, limpam granjas, enfim, fazem o trabalho pesado que poucos americanos querem.

O discurso da bispa incomodou seriamente a Trump e toda sua família, Melania se limitou a fechar a cara, as filhas se remexeram com olhos arregalados. O presidente se conteve com esforço, mas depois não poupou a raiva ao chamar a bispa Mariann de "esquerdista radical", repetindo falas que já saturam nossos ouvidos nas redes, e exigiu um pedido de desculpas da bispa e sua igreja, que não veio.

A líder religiosa disse que "não iria se desculpar por pedir misericórdia." Um conceito cristão que resume a capacidade de pôr amor onde há dor, uma atitude que nos leva de volta a mais de dois mil anos quando Jesus contrapunha-se à tirania ensinando "o amar ao próximo como a ti mesmo."

O sermão da bispa me leva a pensar que temos discursos excessivamente racionais, gritos que se equivalem de ambos os lados, quando as palavras que realmente tocam entram pelo coração.

A mensagem de Mariann ecoou pelo planeta, "contrariou (o presidente) com uma lembrança de humanidade", segundo sua explicação.

Ao combater o bom combate, ela foi uma guerreira serena contra a maldade e tornou-se uma das mais fortes oposições à barbárie desde que Trump tomou posse.

Sua mensagem entrou pelos meus poros como chuva fina, umedecendo o coração como a gota que segue até as profundezas. Sua mensagem combateu a falta de humanidade e de compaixão, perfurando o olhar reptiliano de Trump no banco da igreja como a luz que seu espírito não tem.