São impressionantes as manifestações contra o racismo nos EUA pelo assassinato de George Floyd por um policial. Quem dera as manifestações e as lutas aqui no Brasil fossem tão grandes pela morte diária de tantos negros pobres. Quem sabe mudássemos as estatísticas da tragédia e mortes como a do menino João Pedro seriam evitadas. Mas já foram muitos como João Pedro e, fora a comoção no dia da morte, nada mais acontece. Espera-se o próximo assassinato, simplesmente, e muitas vítimas são crianças.

Impressiona ver tanta gente nas ruas de cidades como Nova York que foi assolada pela pandemia do covid-19 há pouco tempo. A contaminação pelo contato nas ruas será enorme. Muita gente ainda vai morrer porque as máscaras, acredito, não são suficientes em locais de tanta aglomeração. Assim vejo com tristeza neste século as mortes pela velha violência e os vírus novos.

Os EUA tem uma firme tradição na luta pelos direitos civis e o movimento negro se insere neste contexto com lideranças reconhecidas como Martin Luther King, Malcom X ou Angela Davis. Por vias pacíficas ou de lutas incisivas, os negros norte-americanos exigem com afinco o fim da discriminação racial no País que produziu movimentos hediondos como a Ku Klux Klan, ainda em ação em estados do sul.

O fato é que a segregação, incluindo a institucional através de leis que só foram modificadas nos anos 1960, permaneceu como um mancha da opressão nos EUA. A morte de George Floyd, de forma violenta e pública, é prova disso. Não há diferença entre um negro ser assassinado por enforcamento ou por asfixia praticada por um policial na rua.

No Brasil, que durante décadas construiu a falsa imagem de país antirracista, a violência contra negros também se dá de forma escancarada. O Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) e o Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP) divulgaram conjuntamente em 2019 o Atlas da Violência, com estudos estatísticos referentes ao ano de 2017. Neste ano, mais de 35 mil jovens (de 15 a 29 anos) foram assassinados. Este foi o maior índice identificado pelo Atlas da Violência em todos os anos que esta pesquisa vem sendo realizada.

Os movimentos negros no Brasil começaram de forma precária e clandestina ainda durante a escravidão, com personagens que fizeram história como Zumbi dos Palmares, líder de um quilombo. Assusta que em pleno século 21 sua memória seja desmerecida e enxovalhada por Sérgio Camargo, presidente da Fundação Palmares no governo Bolsonaro, que trata Zumbi com desprezo e o movimento negro como uma “escória”.

Negro, Camargo trabalha pela discriminação, quando deveria assegurar direitos e pedir justiça pelos 35 mil jovens negros assassinados no Brasil só em 2017. Mas ele prefere fazer de conta de que aqui não existe racismo. Ideia contrariada não só pelos negros mortos a cada ano, vítimas de violência muitas vezes praticada por policiais, mas também pela população carcerária na qual o número de negros é flagrantemente maior do que o de brancos.

Num momento especialmente trágico, a humanidade está sendo dizimada por racismo, doenças, violência e raiva. Nosso modo de vida, nossas crenças e culturas, nossa política, nossa espiritualidade não dão sinais de transformação e evolução reais. Somos primitivos e sem conserto, explodindo em ódio e contraindo pestes cuja causa está no modo violento com que tratamos o próprio planeta.

A pretensa superioridade humana é desmentida a cada dia e a espécie continua soberba contra sua própria espécie. Uma formiga tem mais consciência coletiva do que todos nós juntos. Nossa coletividade só ocorre no limite.