Li que o Circo Las Vegas, de Porto Alegre, armou um picadeiro num estacionamento. Como nos drive-ins, o circo se apresenta para um público que respeita a pandemia, o uso de máscaras, álcool em gel e quer se divertir sem correr riscos. Dentro dos carros, a plateia gaúcha vê palhaços e malabaristas, mas aplaude ligando o pisca-pisca ou buzinando.

A matéria da Folhapress informa que o circo ficou 80 dias parado, acumulando um prejuízo de 50 mil reais. Usando o próprio terreno em que armavam a lona, os donos do circo dizem que onde antes cabiam 700 pessoas, agora cabem dezesseis carros, o que é muito melhor que plateia nenhuma. Ali se revezam os malabaristas, trapezistas e palhaços, ainda há números como o Globo da Morte e King Kong. Uma das estrelas do espetáculo é “a menina dos cabelos de aço”, de 8 anos, filha de circenses da companhia.

Até parece mágica mas, na verdade, a volta do circo driblando os riscos da pandemia é fruto da mais genuína criatividade. Fiquei pensando em quanto o ser humano é engenhoso para superar adversidades e também que seria possível fazer a mesma coisa com espetáculos de teatro e de dança, devolvendo ao mundo a alegria e a reflexão da arte.

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. | Foto: Marco Jacobsen

Logo imaginei que Cacá de Carvalho poderia apresentar seus monólogos famosos, inspirados na obra de Luigi Pirandello, lembrei do esplêndido “Anjo Duro”, que foi protagonizado por Berta Zemel, dirigido por Luis Valcazaras e também de "Artaud', interpretado por Maura Baiochi, e tantos outros espetáculos que gostaria de rever. E por que monólogos? Por levar menos pessoas ao palco. O que não impede que revezamentos aconteçam proporcionando uma maratona teatral que eu veria com prazer, assim como devoro uma série inteira nas plataformas de streaming num fim de semana.

Passar duas horas assistindo teatro, ballet ou circo é fichinha para quem já frequentou o Teatro Oficina para ver os espetáculos de Zé Celso Martinez Corrêa que comparo a uma imersão teatral, na qual a gente mergulha às 19 horas e fica até à meia-noite, com direito a ver na porta aquele pipoqueiro que parece eterno no bairro do Bixiga.

Encantada com as possibilidades, também pensei nas trupes aqui de Londrina que poderiam fazer bonito num drive-in de teatro e dança: Camila Fontes em “Sobre Letras e Gritos Para Salvar o Mundo” seria uma das minhas escolhas, assim como um solo de Renata Doi, do Ballet de Londrina. Mas haveria ainda muitas possibilidades com palhaçarias, pernas de pau e uma infinidade de espetáculos que demandariam uma produção única. Solos e monólogos teriam menos gente em cena, porque a ordem é evitar aglomerações. Fui logo imaginando um palco armado ali no estacionamento em frente ao local onde ficava o Circo Funcart, que reúne as condições necessárias para os carros estacionarem à beira do Igapó, formando pequenas plateias motorizadas.

De volta do delírio, pensei que os produtores culturais da cidade podem me responder se é possível ou não. Enquanto espero a resposta, ainda sonho com um solo de piano do Marco Antonio de Almeida ou um show de voz e violão de Bernardo Pellegrini. A ideia de ver espetáculos, dentro dos carros, poderia devolver Londrina à sua era dourada.

Se o drive-in que será inaugurado na cidade no próximo dia 26, com a exibição de filmes, já nos devolve o prazer de ir ao cinema, imaginem voltar tudo como era antes em condições que nos permitam, quem sabe, retomar os festivais da cidade com a participação de atores, músicos e bailarinos aplaudidos com o pisca-pisca. Londrina resgataria sua cultura ao ar livre, reverenciada por vagalumes mecânicos, porque não custa sonhar.