Profissão exige nervos e músculos
PUBLICAÇÃO
sábado, 16 de janeiro de 2021
Celia Musilli - Grupo Folha
Sempre digo aos estagiários que o jornalismo é uma profissão exigente. Mesmo aquela gente bonita que faz televisão vive estressada. Nestes tempos de covid-19, o jornalismo vive seu momento de fórmula 1, nunca fomos tão testados nas “pistas” do noticiário simultâneo. A velocidade é bem-vinda, desde que não incorra em erros, coisa que o público em geral nem sempre compreende.
Os erros no jornalismo são sentidos com intensidade pelos profissionais, muitas vezes sabemos deles antes mesmo que a notícia complete meia hora no site ou que a edição impressa chegue às bancas no dia seguinte. Já acordei de madrugada sabendo que tinha deixado de por um acento no título e que, ao amanhecer, vários leitores ligariam como quem descobre a América.
O que pouca entende é como funciona a vida de um jornalista na prática, não tem nada a ver com aqueles filmes que cercam a profissão de glamour. É verdade que ao longo da vida podemos conseguir algum prestígio, como qualquer profissional em outras áreas, mas o jornalismo é um profissão que exige muito da mente e do corpo. Estresse, imunidade baixa ou ansiedade são comuns. Meus nervos e músculos têm uma história dolorida a contar, embora permaneçam em silêncio no cotidiano enquanto escrevo mais um texto.
Trabalhando em jornal há décadas sinto o peso da profissão no meu braço direito, mais usado no ofício de transformar ideias em palavras. Uma dor que começa na ombro, percorre a omoplata e vai até os dedos, teclando a notícia como quem estica um fio. O teclado do computador não é nada sem o esforço do meu braço e da minha cabeça, por mais moderna que seja a máquina, não serve para muita coisa se a gente não fizer dela uma fábrica de ideias.
No jornalismo escrevemos de forma industrial, não imaginem ninguém digitando sem transpiração, é possível contar oserrosqueacontecem e, num tecladinho de celular, quando precisamos dele, aspalavrasgrudam. Aí, quando já é tarde e estamos no pique do que chamamos “fechamento” - que é a finalização de mais uma edição - às vezes é preciso um esforço duplo de mãos e dedos se erguendo, como um guindaste, para por tudo no lugar.
Ainda assim amamos nossa profissão, mesmo que com os anos ela nos deixe mais feinhos. Não sobra muito tempo para cuidar do cabelo, as unhas passam semanas sem esmalte, os homens ficam calvos rapidamente, as costas se curvam já que a cabeça, concentrada na notícia, está sempre voltada para tela ou as letrinhas num movimento contínuo durante horas.
Se o corpo se ressente, o espírito se alegra quando terminamos mais uma edição somada às 10 mil páginas que criamos ao longo da vida. Enquanto as ideias se alongam, o braço encurta de tanta tensão e o jornalismo se torna também um corpo que dói, além de uma assinatura na notícia. Mas logo a paixão, o senso de responsabilidade, além de uma entrega enorme a um ideal sem medidas, funcionam como aquele sopro que a mãe dava sobre o machucado. E a gente escreve e dorme reinventando o dia porque amanhã haverá outra jornada.