Dizem que a infidelidade conjugal é quase tão antiga quanto o mundo e também é encarada como um dos maiores tabus mesmo na sociedade contemporânea. Uma pesquisa da USP (Universidade de São Paulo), em 2015, já apontava que 70% dos divórcios têm como motivo a infidelidade; outra pesquisa aponta também como causa de divórcios as "traições" pela internet, nos aplicativos e outros meios interativos.

Mesmo com esses dados, pouco se fala da infidelidade conjugal a não ser como fofoca. Talvez a sociedade, sobretudo a brasileira, não se sinta à vontade ou madura para tocar no assunto como um fato ou uma reflexão.

Esta semana, assisti a uma série corajosa sobre o tema : trata-se de Wanderlust, que em alemão significa viajar ou vagar, em português a expressão pode ser traduzida como "desejo de viajar". Acho interessante essa explicação quando vemos a infidelidade como uma aventura, como um desejo de liberdade ou, mais ainda, como a solução ou escape de um problema.

Dirigida por Luke Snellin, com roteiro de Nick Payne, a série não é novidade, foi lançada em 2018, e deu à atriz Toni Collette vários prêmios (pelo papel de Joy, a esposa); outro protagonista é o ator Steven Makintosh (no papel de Allan, o marido). A série britânica - que é uma produção da Netflix com a BBC , mas também pode ser vista na Amazon Prime - mostra os tropeços , insatisfações e inseguranças de um casal com filhos que perdeu o desejo de um pelo outro e, de comum acordo, opta pelo casamento aberto, como um modo de salvar a relação.

A infidelidade autorizada passa para um complexo enredo, com os protagonistas se apaixonando pelos parceiros "autorizados" fora do casamento. Aí, o que era para ser uma solução passa a ser um problema, com as cenas clássicas de ciúme, separação e mágoa. Não vou contar o que acontece depois para não dar spoiler, mas merece um elogio à parte o episódio 5, quando Joy, que é terapeuta, tem uma sessão semanal com sua psicanalista, interpretada magistralmente pela atriz Sophie Okonedo. São 50 minutos ininterruptos, como numa sessão regular, em que as fragilidades e motivações internas de Joy para a infidelidade vêm à tona. Sem moralismos, o episódio mostra que há por trás do desejo de infidelidade um enorme buraco afetivo, aquele que todos podemos ter, por situações do passado ou do presente, de forma consciente ou não.

Wanderlust não é uma série romântica para moças e rapazes com vontade de se casar. É uma série adulta para quem já se casou e se deparou com inseguranças e insatisfações. Uma pena, que a Netflix não deu continuidade à produção. Ficou na primeira temporada a fresta por onde podemos enxergar nossas próprias infidelidades ou a dos amigos sem culpa, mas com maturidade, sem empurrar os problemas para debaixo do tapete. A vida amorosa é também uma jornada íntima e pessoal, à qual podemos dar um norte quando temos mais clareza sobre impulsos, carências ou desejos, sem medo de por o dedo nas feridas ou no prazer.