Na BR-262, que liga Campo Grande a Corumbá, no km-681, havia uma árvore que atraia os olhares pela sua beleza: o ipê-roxo ou piúva que turistas fotografavam ao passarem pelo Pantanal do Mato Grosso do Sul. Para embelezar ainda mais o cartão-postal da paisagem, havia na árvore um ninho de tuiuiús, ave-símbolo do Pantanal que, quando abre o bico, expressa uma simpatia cativante.

Hoje, após os incêndios que consumiram milhões de hectares de matas, tudo isso é passado. O jornalista Luiz Taques e sua mulher, a advogada Regina Utsumi, em viagem recente ao MS encontraram no lugar do ipê-roxo uma árvore queimada, com galhos que parecem braços clamando pela vida, e nenhum sinal do ninho de tuiuiús que devem ter voado entre as chamas, se é que conseguiram escapar.

Na semana passada, eles me enviaram fotografias do "cartão-postal" antes e depois do incêndio. As imagens, que ilustram este texto, se somaram a uma galeria triste desde que o fogo provocado por ação humana começou. Um tamanduá queimado erguendo as patas dianteiras como se clamasse por socorro, um jacaré numa impressionante posição vertical morto pelas chamas, uma onça-pintada que recebeu socorro de veterinários voluntários mas, possivelmente, não voltará às matas. A onça, no caso, teve as patas queimadas, os artelhos grudados e perdeu a capacidade retrátil de suas garras, dessa forma só poderá viver em cativeiro.

Ipê roxo, na BR-262, no Pantanal do MS, antes e depois dos incêndios
Ipê roxo, na BR-262, no Pantanal do MS, antes e depois dos incêndios | Foto: Regina Utsumi/ Divulgação
Imagem ilustrativa da imagem Pantanal: pequeno retrato da tragédia
| Foto: Regina Utsumi/ Divulgação

A tragédia do Pantanal tem sido mostrada na imprensa em meio a um debate "surdo" com o ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, que acha que não deve explicações à população pela destruição em massa de um dos biomas mais importantes do planeta. O Pantanal é o maior bioma úmido do mundo, de seu solo brota uma vida que levará anos para se recuperar depois que quatro fazendeiros riscaram fósforos para aumentar para dentro da mata a sua área de pastos. Os quatro já estão sendo investigados pela polícia, mas ainda não se sabe, no país da impunidade, se a ação criminosa ficará por isso mesmo.

No lugar de ações eficientes de combate ao fogo, vimos durante meses a falta de atitude do Ministério do Meio Ambiente que, só agora, sugeriu apagar as chamas com técnicas discutíveis como "o fogo contra fogo e o uso de um produto que tem efeito retardante sobre incêndios." Pulverizado por aviões, o produto químico pode ter efeito nocivo contra o que resta de flora e fauna e até contra seres humanos. Entre as prescrições para uso do produto está a recomendação de não se consumir água ou alimentos durante 40 dias na área em que for usado.

As medidas atrasadas surgem depois que 4,1 milhões de hectares do Pantanal já queimaram, o que equivale a 27% do território, segundo levantamento feito até 11 de outubro. Enquanto isso, sandices como a do uso do retardante químico se somam a declarações sem fundamento que sugerem que com o aumento dos rebanhos de gado na região teríamos a figura do "boi bombeiro", a comer matéria orgânica seca, numa ação que impediria incêndios. A bobagem cai por terra quando se sabe que não faltam bois no Pantanal, falta mesmo é consciência. O rebanho pantaneiro aumentou de 6,9 milhões de cabeças de gado em 1999 para 9,6 milhões de cabeças em 2019, segundo o Mapbiomas, isso representa um aumento de 38% em dez anos. Então repito: não faltam bois no Pantanal, faltam políticas que não queiram converter, na marra, incêndios criminosos em "queimadas sazonais." Também não custa assinalar que se tivermos "bois bombeiros" na quantidade que a falácia governamental pretende, não haverá mesmo floresta a queimar, porque tudo se converterá em pasto. Por ora, ficamos com as árvores e os ninhos queimados num pequeno retrato da tragédia.

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