A maioria de nós tem um paizinho ou paizão. Fora os casos em que os pais não estão nem aí com os filhos, geralmente essas figuras se misturam em atitudes de doçura, cuidado, solidariedade, emoção, dando aquela força desde que nos conhecemos por gente.

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Tive um paizão que me ensinou a atravessar a rua, desde bem pequena ele me levava para atravessar as avenidas movimentadas me orientando a olhar de um lado e depois para o outro, num tempo em que nas cidades do interior só existiam vias de mão dupla. Foi um acontecimento quando a primeira avenida, separada por um canteiro, já não exigia que as crianças ligassem o radar para os dois lados quase simultâneamente.

Seu Antônio era cheio de cuidados, talvez pelo ofício de relojoeiro pensava nos detalhes e como paizão nos ensinava a comer verduras e frutas. Plantava as mudas no quintal para vermos como cresce um pé de caqui ou um cacho de bananas, coisa de paizão nos ensinando valores simples e necessários. Uma aula casual de botânica. Desde cedo, conheço nomes de frutas e verduras, sempre soube distinguir rúcula de chicória, coisa que meus filhos às vezes não sabem, o que me leva a crer que falhamos um pouco como paizão ou mãezona, cuidando desses detalhes.

Meu paizão também era paizinho quando tinha atitudes muito ternas, como pintar com tinta azul um vitrô alto, no quarto das filhas, para que a luz da lua ou o raiar do sol não perturbasse nosso sono.

Também nos ensinou a amarrar cadarços desde cedo, fazendo o nó e depois o laço nos sapatos. Esse aprendizado passamos aos filhos, sabendo que para as crianças é uma vitória amarrar cadarço, um ensinamento de paizinho para toda a vida.

A palavra paizinho também deriva para "painho", lá pras bandas do nordeste, e dá para perceber quanto carinho contém essa expressão reduzida, para ser falada com sotaque, toda vez que alguém se refere a um painho, ainda que a figura não seja seu pai biológico, mas um conselheiro ou um protetor.

Neste Dia dos Pais, me lembro do segundo domingo de agosto lá em casa, quando celebrávamos o paizão que era também paizinho, com um almoço regado a alegria.

Celebrar o pai, longe do que possa significar seu conteúdo religioso ou nos compêndios da psicanálise, é celebrar a memória de ruas atravessadas com cuidado, que depois se tornam caminhos a serem atravessados na vida, olhando sempre para os dois lados.

Celebrar a memória é lembrar do primeiro laço no sapato Vulcabrás, para ir à escola, ou no sapato vermelho, comprado com dificuldades para a filha ir à festa com seu primeiro salto.

Memórias correm como rios, como situações e objetos, costumes e manias, nos quais o paizão e o paizinho se juntam 34 anos depois da partida de quem, na verdade, nunca partiu. Ainda sinto sua presença quando atravesso a rua.