De tanto assumir compromissos, esquecemos de fazer coisas realmente importantes. De tanto trabalhar para os outros, esquecemos de trabalhar para nós mesmos, isso inclui a pausa criativa para ver a borboleta no jardim ou a primeira estrela a surgir naquele ritmo de contemplação, quando tudo em volta desaparece, e fica aquele pontinho sinalizando que o universo é infinito desde a primeira "hora da estrela."

No dia a dia, com tantas exigências de quem trabalha para os outros, esquecemos de trabalhar para nós mesmos, mas como um relógio antigo, para ter função existencial também precisamos de corda.

Dar corda a si mesmo no tempo da automatização, quando temos tudo ao alcance com um toque digital, é fundamental. Porque desaprendemos a lentidão do fazer aos poucos para sentir-se vivo a cada minuto, concentrados em pequenas tarefas como dar espaço à nossa atividade criativa, é o que se chama "respiro", a concessão para existir.

Isso vale para jornalistas e todo tipo de profissionais voltados mais para o coletivo. Cotidianamente, muitas vezes suportamos as expectativas de quem só se vê seu próprio umbigo, querendo manter-se em evidência - porque a imprensa põe em evidencia - e os egos dilatados dão espaço a reclamações e grosserias, enquanto trabalhamos como pessoas humanas, demasiadamente humanas, e sem tempo.

Dar corda a mim mesma significa escrever pelo menos um texto por dia, mastigado como o pão no café da manhã, quando os pensamentos se concentram no erguer e abaixar da xícara.

Nessa hora, vale olhar pela janela para ver nuvens que vão e vêm, num prenúncio de chuvas ou dia de sol intenso, queimando como um deserto particular em nossa pele.

Segue-se um passeio curto, o bom dia ao porteiro para comentar o "de sempre" e necessário, a pausa antes de abrir a agenda e observar que haverá compromissos até às 9 da noite. Mas ainda são 9 da manhã, o dia que engatinha é luminoso, e o instante é de pura imaginação.

Consagro o hábito de escrever na cama, usando o celular como faço nesta quinta-feira, e os pensamentos fluem melhor do que quando assumo a persona ocupada diante do computador.

Ser livre é deixar-se levar pelos pensamentos em vez de conduzi-los a ferro e fogo para um objetivo. Só nesta pausa, em que trabalhamos mais por nós mesmos, sem cobranças, é possível se alinhar ao céu e perder-se em nuvens como exige a poesia de existir sem pressa.