De tempos em tempos, sepultamos momentos ou uma era inteira. Não há dúvida que com a morte de Gilberto Braga na última terça-feira (26), sepultamos parte da era de um Brasil noveleiro que se acostumou a acompanhar tramas verossímeis e inverossímeis desde os tempos em que nossas avós colavam os ouvidos no rádio.

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. | Foto: Marco Jacobsen

Com o surgimento da TV foi-se o hábito de ouvir o rádio com a dependência de antes, mas o gênero novela não deixou de fazer sucesso, ao contrário, multiplicou-se, e nos anos 1980 abriu-se para minisséries de TV no Brasil e desdobrou-se em séries nas plataformas digitais que hoje nos consomem dias ou até meses acompanhando tramas que podem ser um alento ao coração ou um soco no estômago, dependendo do grau de afetividade ou de violência - sinal dos tempos? - que transmitem.

Em nova fórmula, nem tão nova assim, temos ainda o podcast que desdobra-se também em dramaturgia fazendo sucesso como recurso de memória de crimes bem reconstruídos, como "Praia dos Ossos", escrito e narrado pro Branca Vianna, sucesso absoluto de 2020, produzido pela Rádio Novelo, que resgatou o assassinato de Ângela Diniz, a Pantera de Minas, pelo playboy Doca Street. Quem ainda não ouviu, não perca! Há um ano, passei um fim de semana absorvida em oito episódios.

Mas se há um autor que representa o sucesso da telenovela brasileira é Gilberto Braga que teve seu primeiro grande sucesso com "Escrava Isaura" (1976), uma das novelas brasileiras mais exportadas, e desembarcou em 1978 na fama de Dancin' Days, com Sônia Braga no papel de Júlia, ex-presidiária que luta pela reinclusão na sociedade em antagonismo com sua irmã, a socialite Yolanda Pratini, interpretada por Joana Fomm.

Dancin' Days não foi apenas uma novela, mas uma transformação estética, com todo mundo copiando os figurinos usados por Sônia Braga na danceteria cujo nome (Dancin' Days) pegou carona no nome de uma danceteria real criada por Nelson Motta, no Rio. As mulheres substituíram as blusas por bustiê de paetês e atire a primeira pedra quem, na época, não usou meias de lurex com sandálias. Tudo isso vinha ainda no encalço do filme que consagrou John Travolta: "Embalos de Sábado à Noite", uma imersão na música e na dança que lembra um dos últimos movimentos de um mundo feliz que denunciava desigualdades numa atmosfera mais leve, certeira e contagiante do que a das soturnas minisséries que atualmente nos roubam a atenção e povoam nossos pesadelos.

Com a morte de Gilberto Braga apaga-se uma era, mas ele fica entre os grandes nomes da teledramaturgia brasileira como Dias Gomes, Janete Clair, Cassiano Gabus Mendes, Glória Perez, Benedito Ruy Barbosa, Manoel Carlos, Walcyr Carrasco e Silvio Abreu, só para citar alguns.

Ele nos deixa vilãs inesquecíveis como Maria de Fátima (Glória Pires) ou Odete Roitman (Beatriz Segall) em "Vale Tudo" (1988). Mas, sobretudo, nos deixa um modo brasileiro de fazer novelas, com personagens capazes de ganhar nossa simpatia ou antipatia, como se voltássemos a um capítulo de nossas vidas ou andássemos em nosso próprio bairro, convivendo com pessoas e personas que nos despertam os mais diferentes sentimentos. Gilberto Braga completaria 76 anos nesta segunda-feira (1º), mas partiu antes e com ele um mundo de ficção que nos deixa também lições sobre a realidade.