O que me move é de dentro pra fora
O bom é ser comum, viver sem cargo, sem burocracia, sem funções obrigatórias, papéis a desempenhar
PUBLICAÇÃO
sábado, 20 de julho de 2024
O bom é ser comum, viver sem cargo, sem burocracia, sem funções obrigatórias, papéis a desempenhar
Celia Musilli
Não me chamem para funções burocráticas.
Dispenso convites para ser conselheira, presidente, vice, suplente, candidata a cargo X, Y, Z da associação, autarquia, clube, partido, igreja, academia.
Tenho pavor, cada vez mais pavor.
O bom é ser comum, viver sem cargo, sem burocracia, sem funções obrigatórias, papéis a desempenhar. Por mim, teria asas para ser verdadeiramente livre nesta vida e em outras, sem amarras. Eu e as nuvens, Deus é verão. Sou avessa ao frio e às escadarias de mármore onde muitos se atropelam.
Que os espíritos burocráticos façam bom proveito de seus cargos e vaidades, se lambuzem no poder de seus documentos, teses, escrivaninhas, conselhos. Já notaram que quase toda diretoria é medíocre? "Departamentizam" o pequeno talento.
Neste momento, sou avessa a Congressos e Câmaras, nunca tiveram um nível tão baixo. Legislam cada vez menos contra a fome, perseguem padres "comunistas" que doam pães, mas fiscalizam para ver se há um sex shop na rua, se os banheiros escolares proíbem a entrada de pessoas trans, e gritam dos púlpitos contra o pecado que, no fim das contas, é o seu grande negócio.
Não se vota mais pela liberdade - essa conversa das redes é de mentirinha - , mas pela censura.
Lotam ônibus para fazer da religião um partido, a teocracia fake nunca esteve tão brega, a cafonice explícita é a motivação das marchas. Todos juntos, gritando em uníssono contra qualquer avanço "em nome de Deus", que deve balançar a cabeça envergonhado com tanta incompreensão, desamor e divisão em seu nome falado em vão.
Definitivamente, não consigo apreciar vestidos de babados, prefiro o algodão ao tafetá cor-de-rosa, quando preciso, tiro as luvas para dar uns tapas, desato nós de gravatas para ajudar a revelar gargantas que gritam porque as saias encurtam. Um pouco mais e evocam o fantasma daquele político que quis proibir o biquíni e ganhou "de quebra" milhares de brasileiras ostentando "o fio dental" nas praias.
Eles estão possessos porque não podem mais vestir as indígenas nem disfarçar com brilhantina ou cabelos tingidos o atraso de suas ideias. Aliás, a tintura os revela.
No fim de tudo, ostentam o "reconhecimento público" sem merecimento, a cara, a boca, a fama que leva incautos às urnas como se legislar fosse um programa de auditório no qual quanto maior o ridículo maior a audiência.
Diante disso tudo, prefiro o anonimato, misturada à multidão, sem carimbos, sem carteirinhas.
Respirando, criando, vivendo, escrevendo por impulso íntimo. O que me move não é de fora pra dentro. É de dentro pra fora!