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. | Foto: Marco jacobsen

No cenário da polaridade política no Brasil, uma discussão esquentou a semana: a indicação do filme “Democracia em Vertigem”, dirigido por Petra Costa, ao Oscar de Melhor Documentário junto com outros quatro concorrentes. As discussões não põem em xeque a qualidade técnica do documentário. O que se destaca é a discussão ferrenha sobre a narrativa adotada pela diretora, elemento que desencadeia provocações que incendeiam o debate entre a direita e a esquerda.

O filme de Petra tem o mérito de registrar um período importante da história recente do Brasil, de 2013 para cá, incluindo o impeachment da presidente Dilma Rousseff. Os que criticam o filme argumentam que não pode ser considerada como documentário uma narrativa que privilegia a visão da diretora, insistem que não há fidelidade aos fatos, mas uma leitura do que ocorreu. Críticos experientes contrapõem este argumento ao declarar que os documentários podem, sim, trazer uma visão autoral, para eles um documentário não segue as normas do jornalismo que deve se ater estritamente aos fatos, mas representa uma leitura dos fatos.

Quase todos concordam que o filme é bem feito. Mas há críticas pelo fato da diretora ter alterado uma fotografia que de dois militantes mortos pela repressão em São Paulo, num episódio que ficou conhecido como Chacina da Lapa. A diretora eliminou duas armas que apareciam na cena do crime sem avisar o espectador da adulteração, mas tem a seu favor o argumento de que aquelas armas foram 'plantadas' junto aos cadáveres pela polícia, fato que justifica que a “fake news” é anterior ao filme que apenas corrigiu uma mentira. A própria Comissão da Verdade, que julgou os crimes da ditadura, trouxe evidências de que a polícia 'plantou' as armas, fato comum em episódios do período.

No meu ponto de vista, “Democracia em Vertigem” tem o mérito de mostrar as relações de poder contaminadas sempre pelas mesmas figuras, como o ex-senador Magno Malta, que foi cabo eleitoral de Dilma e depois ajudou a eleger Jair Bolsonaro – sendo rejeitado após a eleição pelo presidente, não tendo assumido nenhum cargo. Isso evidencia que as mesmas figuras rondam diferentes grupos políticos, com eles fazem alianças, até depois serem ejetados dos círculos que apoiam por alguma razão. Esse comportamento mostra a mesmice da história.

De minha parte, não gosto da narração em primeira pessoa adotada pela cineasta em “Democracia em Vertigem”, a voz não ajuda, soa monocórdica, chega a entediar o espectador. Também não gosto do tom panfletário, mas isso é problema geral dos documentários políticos – à esquerda e à direita. Todos adotam o mesmo tom, figurando mais como uma peça de convencimento dos fatos do que um registro histórico que requer uma visão crítica ...para ser uma visão histórica.

Mas considero o filme uma boa peça de resistência no momento em que precisamos defender o cinema brasileiro de ataques que têm por finalidade a censura de temas considerados indigestos pelo governo. As indicações para a composição da nova diretoria da Ancine sinalizam grossos filtros de censura daqui para a frente. No mais, gostando ou não, trata-se de um documentário brasileiro no Oscar e isso tem valor.

Além deste documentário, o Brasil também será representado por “Dois Papas”, baseado na obra do neozelandês Anthony McCarten e dirigido pelo brasileiro Fernando Meirelles. Um produto híbrido maravilhoso que ainda traz dois atores estrangeiros - Anthony Hopkins e Jonathan Pryce – que dão um banho de interpretação. O filme concorre nas categorias de Melhor Ator (Jonathan Pryce), Melhor Ator Coadjuvante (Anthony Hopkins) e Melhor Roteiro Adaptado.

O fato é que no dia da entrega do Oscar, 9 de fevereiro, quem gosta de cinema estará em casa, roendo as unhas e comendo pipocas, torcendo para que o País brilhe em Los Angeles. O importante é que o Brasil está lá, entre os melhores. Quanto ao Oscar do bate-boca político, com certeza, já é nosso.