A FOLHA completou 71 anos na última quarta-feira (13). Deste tempo, passei quase 30 anos na redação, dos outros 40 só conheço a fama. Fui contratada no fim dos anos 1980, desde então, vivi mudanças que agradaram e desagradaram. Transformações que deram o que falar. Atravessei auroras e turbulências, como todos os jornalistas da minha geração e das seguintes.

Em algumas crises, o jornal não fechou por um triz, porque na hora H alguns puseram o pé na porta, numa frestinha por onde vislumbramos o futuro. Em algumas ocasiões, agarramos o foguete “pelo rabo”. Era tudo ou nada, brilhar ou se espatifar no chão. Decolamos de novo e conseguimos manter o voo até este aniversário.

Os anos passaram, as crises nem tanto, jornalismo é a profissão da teimosia, nunca conheci períodos longos de estabilidade. O preço do papel sobe e desce, a implantação das novidades tecnológicas custa caro, os anunciantes aparecem e desaparecem, os donos se sucedem com ideias diversas dos seus antecessores, gestões mudam. E continuamos com nossa profissão à base de conhecimento e utopia.

O pior, no momento, é ver pela frestinha da porta um futuro que inevitavelmente será sacudido por turbulências que começam a ser naturalizadas. O futuro aponta para redações fora da redação, uma redação de PJs (Pessoas Jurídicas), contratadas para empreitadas, negociando seu trabalho de empresa para empresa. Mas ainda acredito numa redação reunida, discutindo a pauta do dia seguinte e num jornalismo para o século 21 que contemple as mudanças tecnológicas sem perder a qualidade, sem transformar em nota (porque “o leitor não lê) temas que merecem abordagens profundas. O jornalismo minimalista é um caminho para a extinção. E não custa lembrar, jornalismo é profissão, não apenas “colaboração.”

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. | Foto: Marco Jacobsen

Ainda acredito no leitor, mas desacredito cada vez mais dos governos para os quais o jornalismo como profissão regulamentada é uma pedra no caminho. Esta semana, o governo federal aproveitou medida provisória, do programa Verde Amarelo, para acabar com a exigência de registro profissional para jornalistas, publicitários, radialistas, químicos, arquivistas etc. Quer colocar todos na informalidade e, tudo indica, quer contar mais com simpatizantes das redes sociais do que com profissionais críticos.

Jornalismo não é profissão para amadores, exige responsabilidade e credibilidade que vêm com a prática, mas fica melhor com uma formação específica e humanista. Mas as investidas em cima do jornalismo não são novidade. Em 2009, no governo Lula, o STF (Supremo Tribunal Federal), decidiu que era “inconstitucional a exigência do diploma de jornalismo”, assim como o registro profissional no Ministério do Trabalho. A medida foi revogada em 2013, depois de muita luta.

Dez anos depois, aqui estou, tentando por de novo o pé na porta para salvar o campo de trabalho no cotidiano e para futuros profissionais. Governos bem intencionados não avacalham profissões, antes, preservam a formação que nos dá clareza sobre nossos caminhos e nossa responsabilidade social.

Na última quarta-feira, quando vi a FOLHA em novo formato, o berliner, percebi que tínhamos dado conta de mais uma mudança histórica e me emocionei com o esforço de um time que, na véspera, ajudou a conduzir a FOLHA aos seus 71 anos. Vida longa ao jornalismo, ainda que a gente precise por o pé na porta para que oportunidades não se fechem e caminhos se abram, mesmo quando tudo dói.