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. | Foto: Marco Jacobsen

O nome correto da saudade que algumas pessoas têm da ditadura é nostalgia perversa dos anos 1970. Um aparato oficial seduzia mentes juvenis enquanto o pau comia. Quem não era de “esquerda” cantava Eu Te Amo Meu Brasil, inebriado pelo poder de um novo hino; quem não era de “esquerda” só se lembra dos campos do México onde, a cada vitória, o grito de gooolll virava um mantra, para aliviar a angústia de um país sob as botas que “calçavam” também os arroubos de uma outra juventude. Uma juventude exterminada como o filho de Zuzu Angel, Stuart Angel, amarrado com a boca no cano do escapamento de um Jeep do exército para sufocar até morte.

Deve ser nostalgia perversa dos anos 1970 esse gosto pela ditadura que os moleques que frequentavam o drive-in, tateando “uma moça para se casar”, sentem hoje, como homens velhos ou maduros, ao verem as presepadas de um presidente que se comporta como o pior aluno da quinta série em performances de um circo de horrores.

Não há outra explicação, se não a de um machismo antiquado, para quem apoia um presidente que declara as mulheres bonitas como “dignas de estupro” para ofender as feias. Não há outra explicação, a não ser a de um militarismo anacrônico, para quem apoia um presidente que faz arminhas com as mãos como um soldado aloprado, apontando para cima e para baixo a cabeça de inimigos imaginários.

Não há outra explicação, se não a da nostalgia perversa, para quem aplaude um presidente que celebra a memória do coronel Carlos Brilhante Ustra, único brasileiro declarado torturador pela Justiça, que dizia aos presos políticos: “Hoje, você vai conhecer a sucursal do inferno!”

Não há outra explicação, a não ser a da nostalgia equivocada, para quem apoia um presidente que dá “bananas” à imprensa e declara que uma repórter que comprovou a divulgação de fake news em massa, pelos whats das empresas e das “tias” na campanha eleitoral, como “uma mulher que queria dar”, rebaixando seu trabalho à mera troca de sexo por um "furo" jornalístico.

Não há explicação para quem aplaude um presidente que coloca um militar na Casa Civil, autoriza o porte de armas para fomentar seu comércio, quer privatizar florestas amazônicas para exploração de madeiras nativas, e tem como ministro um senhor que implica com empregadas domésticas que teriam ido a Disney, talvez como babás de seus filhos.

Não há outra explicação, se não a da nostalgia repressiva, para quem quer voltar aos anos 1960 ou 70 em casamentos conservadores com moças “quase virgens” que engravidavam em transas apressadas e depois se recolhiam para sempre, com suas batedeiras Walita, em uniões para a cama e o fogão. É triste ver a versão requentada desse padrão em mulheres que hoje preparam pudins assistindo aos vídeos de Olavo de Carvalho, enquanto disparam whats contra a “extrema-imprensa” e o “marxismo cultural”, perseguindo professores e estudantes das mesmas universidades públicas onde estudaram, depois de saírem do colégio particular para “moças de bem.”

Só a nostalgia perversa explica esse gosto pelo conservadorismo cafona que remete a Dom e Ravel, a bolos decorados com papel crepom, a concursos de miss, a mulheres confinadas em lares e senhoras míopes na cruzada da moral e dos bons costumes, como nos anos 1970, na década das “quase virgens” como a Damares da goiabeira.

Mas hoje é uma data nacional, data em que “padres, negros, bichas e mulheres”, como canta Caetano Veloso, fazem o Carnaval, sambando sobre a nostalgia perversa, a memória cafona, a saudade equivocada de um País que, apesar de tudo, teima em comemorar, brincar e transar, para desgosto da cultura mofada dos porões que guardam as “fantasias” de uma repressão vulgar e desonesta que nunca mereceu celebração. O Carnaval é a antítese da ditadura.