O bug da semana
PUBLICAÇÃO
sábado, 19 de dezembro de 2020
Celia Musilli - Grupo Folha
No início desta semana, o Google saiu do ar para espanto de milhões de usuários que ficaram sem tudo a que estão acostumados: YouTube, Gmail, Meet, Maps, Analytcs etc.
Uma parada deste tipo para quem está acostumado aos serviços do Google como quem toma café, causou reclamações, não sem razão: não é só o entretenimento que para, milhares de empresas hoje sentem na pele e na fibra ótica o que significa ficar sem as coisas consideradas essenciais.
Depois de constatar que não havia nada a fazer - a não ser esperar pelos reparos da tecnologia em nível mundial - passei a imaginar, até de forma cômica, o que não estaria acontecendo pelo mundo do ponto de vista coletivo e individual aos “viciados na internet.” Porque enviar mensagens pelo Whats se transformou num vício, assim como ver as páginas de fulano e sicrano, as fotos no Instagram, tudo é um hábito aos quais estamos condicionados cotidianamente, guiados por uma espécie de piloto automático. Às vezes acho que esses passatempos, fora do âmbito do trabalho, seguram as neuroses individuais e coletivas num plano social, coisa que o Rivotril já não consegue fazer.
Soube por aí de uma árvore de Natal coberta com lembranças ruins de tudo com o que fomos obrigados a ter mais contato este ano: do Rivotril à cloroquina, as caixinhas de remédios penduradas neste árvore no lugar das bolinhas coloridas não deixam de ser um traço cômico, porque rir ainda é o melhor remédio e Papai Noel, que também não virá este ano, decerto não vai se importar com este desabafo natalino.

No dia do bug do Google, fiquei imaginando como o mundo seria hoje sem a internet e minha verve de humor passou a imaginar as digital influencers sem conexão, os comedores de sanduíches sem delivery, as duplas sertanejas sem live, as militâncias políticas sem WhatsApp, o que seria um alívio. Talvez as enxurradas de fake news que correm pelas redes - do pânico disseminado contra a "vacina chinesa" às teorias da Terra Plana - enfim, parassem de circular com a velocidade com que hoje envenenam as mentes.
Mas foi tudo passageiro, não se tratava de um grande impasse como o Bug do Milênio, na virada dos anos 1990 para 2000, quando acreditava-se que o sistema entraria em colapso, prejudicando milhares de pessoas, empresas e serviços, o que também não aconteceu nas proporções imaginadas.
Na quarta -feira tudo estava em ordem novamente. Mas a experiência me fez lembrar a música de Raul Seixas "O Dia em que a Terra Parou", na qual ele fala de um estranho sonho: "Foi assim/ (...) Naquele dia ninguém saiu saiu de casa/ Ninguém// O empregado não saiu pro seu trabalho/ Pois sabia que o patrão também não tava lá/ Dona de casa não saiu pra comprar pão/ Pois sabia que o padeiro também não tava lá/ E o guarda não saiu para prender/ Pois sabia que o ladrão também não tava lá/ E o ladrão não saiu para roubar//"
Fora a covid-19, que este ano já parou o mundo em alguns momentos e continua como uma demanda de transformação total, um grande bug também pode parar o planeta. Os dois exemplos nos mostram que a nossa espécie não tem o controle de tudo. Essa é a lição que fica num ano atípico, que tem até caixinhas de Rivotril balançando nas árvores de Natal. Que em 2021, a gente volte a precisar apenas de um chazinho para acalmar os nervos e o coração.

