O Brasil como caso de polícia
PUBLICAÇÃO
sábado, 02 de outubro de 2021
Celia Musilli - Editora
O Brasil vive uma realidade bem próxima das séries e dos filmes policiais.
Um episódio macabro de um enredo não-fictício, como atestados de óbito mascarados para que não apareçam as causas reais da morte das pessoas, apareceu na CPI da Covid esta semana, entre outros fatos, quando a advogada Bruna Morato depôs para relatar o que pode ter acontecido numa rede particular de saúde. Ela é representante de um grupo de médicos que não aceitou fazer parte do jogo.
É duro observar que nem tudo sabemos quando internamos familiares, confiantes de que receberão um bom tratamento e sem imaginar que podem servir até mesmo de cobaias a experimentos duvidosos, que empregam drogas não aprovadas pelas instituições científicas. Se fossem meu pai ou meu filho submetidos a um tratamento desses - sem autorização da família - meu caminho não seria escrever um artigo, mas registrar um BO e procurar imediatamente a justiça.
Foi o que fez a família de um idoso, que foi internado num hospital daquele convênio, quando soube que o paciente havia passado por um tratamento enganoso sem o conhecimento de ninguém. A justiça de São Paulo determinou o pagamento de uma indenização de R$ 1,92 milhão ao aposentado Carlos Alberto Reis, 61 anos, que recebeu o "kit covid". A decisão é provisória e cabe recurso, mas o fato dá a dimensão do absurdo a que chegamos com os "tratamentos" ocultados, já não bastasse a pandemia. E chamam a isso de "autonomia dos médicos".
Toda essa jornada de fatos estarrecedores e testemunhos falsos - através das fake news, alimentadas incessantemente nas redes sociais por pessoas inconsequentes - bem merece uma ação coletiva por perdas e danos. Mas, no fim das contas, quase ninguém acaba sendo chamado à responsabilidade, ou a CPI da Covid seria um desfile interminável de "cidadãos bem intencionados" que ajudaram a propagação de mentiras.
Num país quebrado pela doença e alquebrado moralmente por ter embarcado numa aventura política, sem ouvir a ciência, muitas vezes colunistas como eu optam por temas amenos, na tentativa de não provocar mais conflitos num País que já paga um preço alto por radicalismos. Mas há um limite para fazer o papel de Pollyana, aquela que só fala de flores, gatinhos e do país das maravilhas. Não abraçamos uma profissão para fingir cegueira, nem somos pagos para ignorar mentiras.
A imprensa, apesar das acusações indevidas - somos tachados de "comunistas" por quem desconhece política e história - continuará ajudando a apurar os fatos. O desejo é que a CPI da Covid não termine em pizza, mas que os legisladores do Brasil, juntamente com o judiciário, desempenhem seu papel na preservação da saúde da democracia. E para quem vive perguntando porque a imprensa chama certos atos de "antidemocráticos", não custa lembrar que os pilares da democracia são os três poderes e, por isso, não podemos sair por aí pedindo o fim do STF nem a volta do AI-5.
Vão longe os tempos dos reizinhos absolutistas que governavam sozinhos, de acordo com seus caprichos. Não fosse assim, nem 30 por cento dos brasileiros teriam sido ainda vacinados contra a Covid. Estariam todos em eventos públicos esperando a "imunização do rebanho" ou, por infelicidade, nas estatísticas que já somam quase 600 mil mortos.
Que a ciência e a medicina honesta sejam reconhecidas como a luz que deve nos guiar no lugar dos faroletes ideológicos. Porque a lição tem sido dura e para muitas famílias significou a perda sem volta!