No centro da cidade, onde dois prédios se encontram, um retângulo dourado recria o sol que se estenderia por todo quintal, não fosse o aprisionamento dos seus raios numa forma geométrica.

Quantas estações passaram por esse vão quando a cidade era um campo livre, sem portas nem janelas, sem edifícios encaixotados como as horas da monotonia que cobrem praças vazias.

Verões quase insuportáveis, outonos amenos, invernos indesejáveis, primaveras explosivas até se erguerem prédios no centro de Londrina, reunindo milhares de moradores que se sucederam desde o fim dos anos 1950.

O clima mudou.

O centro antigo, área de subidas e descidas leves, mais remotamente foi floresta, trilha indígena, antes do fogo e das derrubadas a facão e machados enormes. Nasceu assim a avenida Paraná.

Às vezes, pela hora do almoço, pássaros ainda cantam como se o tempo não tivesse passado, subvertendo o calendário. Almas de cotias, arapongas roucas, gritos da mata que não cederam ao asfalto, as aves afinam uma herança quase esquecida.

Cortes brutos, talhados a concreto, formam ângulos de edifícios onde pousam pombas num ato de resistência, aquilo a que chamam "pragas."

Mas não será praga o homem? Esse edificador de monumentos sombreados, chamados "poço de luz" entre dois edifícios?

Nervuras de mofo contam a passagem do tempo, onde as mãos não alcançam as quinas das janelas. Pequenas aranhas tecem teias esquecidas, flocos de nuvens recortam-se entre os andares, um passeio sem começo nem fim, apenas meio de nuvem, às vezes transformada em chuva que escorre no retângulo depois de precipitar-se mais verticalmente, ainda, entre o concreto.

Enquanto escrevo deitada na rede, com o celular numa das mãos e o dedo da outra apontando letras, uma réstia de sol brinca no meu pulso esquerdo, luz entre as torres urbanas que transformam quintais do passado em pequenos espaços de tijolos e memórias.

Moradores do edifício Panorama, de ontem e de hoje, debruçam-se nos beirais para fumar um cigarro enquanto estendem a roupa. No Edifício Regina a cena se repete. Janelas se fecham e se abrem, fantasmas nos visitam, outras vidas se sucedem. O poço de luz é história.

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